terça-feira, dezembro 21, 2010

Boas Festas

Um Feliz Natal para todos! E desejos de um bom 2011!

Tríptico

Renata ficou espantada. Não se tratava dum questão de gestos, até porque restava quase imóvel. A imagem que o espelho lhe devolvia era uma incógnita aliciante. No quarto pequeno da Calçada de Santana continuava nua frente ao reflexo espremida entre a cama e o espelho. O que era, não sabia.
*
Aquilo provava-lhe que, apesar de tudo, era um homem e mais que isso um homem da sua família. No quarto da avó Laura, decorado com cortinas azul-claro e com folhos brancos, a telefonia, parada na Rádio Renascença, deitava as orações de Avé-Marias e Padre-Nossos que eles depois repetiam. Primeiro ele, em voz clara e grossa, depois as duas velhas num discurso mais sumido e disconexo. Aquelas mulheres já tão velhas, naquele quarto que era quase um oratório, e era ele que liderava as orações, porque ele era um homem da família.
*
Teresa adorava a sala cor de rosa. A primeira coisa que fazia era esfregar-se no tecido fino da senhorinha mais encostada à porta. Ficava ali sentada muito tempo admirando os retratos da avó Filomena e do avô Vasco. Os retratos caiam da parede, ligeiramente inclinados como antes se usou. Sem nunca ter aprendido, levantava depois a tampa pesada e preta do piano e passava os dedos pelas teclas cada vez mais desafinadas. Depois seguia as filas decoradas de parentes mortos nas fotografias a preto e branco. Fechava os olhos e sonhava com vidas que nunca viria a ter.

terça-feira, novembro 23, 2010

Poesias Simples

Dizes que te ponha a mão
Como um pássaro.
É tarde.
*
De todas as cores escolherás
O azul
Para usares no sahri festivo.
*
No campo marcham as hordas
De Esparta.
No templo profetisa a Pitonisa.
*
Amas esta arte como tua.
O quadro
Não saberás quem o pintou.
*
É tantas vezes de noite como de dia.
A alma
Não tem relógio que conte o tempo.
*
De todas as palavras terei
Uma.
O poema surgirá no silêncio.
*
A criança brinca junto à fonte.
A sua mão
Faz pensar no que é breve e rir.
*
Os jogos matutinos começaram com
Os jovens nus.
Todos os dias estendes o corpo sob os lençóis.
*
Cultiva o branco no pateo quadrado
Da casa da ilha.
Os deuses serão clementes quando te olharem.
*
Da laranja guarda o gesto de
A trincares.
O seu sabor é perecível como o sumo.
*
Das muralhas da cidade nada penses.
Toca-as
Para sentires como são frias.
*
Passa este dia sobre o campo.
Amanhã
A chuva fará crescer os rios.
*
Das flores conhece-as
Como a ti.
Em cada pétala a possível história de uma vida.
*
Sedentas de gozo vivem
As crianças
Jogando suas bolas no relvado.
*
Acerca-te das ondas onde
Rebentam.
Os teus pés saberão a que sabe a espuma.
*
Guarda silêncio do fim das palavras.
É esse
O segredo inconfessável.

Poema Árabe

Esta noite
Li todos os poetas árabes.

Sei fazer poemas de pérolas,
Ginetes e sandálias
Enquanto durar o sabor do vinho.

Mas é segredo o que aprendi
Como a luz branca da Lua.

terça-feira, novembro 02, 2010

Bruno

Do compasso de espera
Terrivelmente lento
Resta a repetição de cada minuto

Encosto-me a uma esquina da sala, com um livro na mão
A marca que me deixaste, mesmo depois de tanto tempo

Parênteses

(voltei a subir o casaco pelas costas. estava enregelado. está visto- escrever poemas não aquece.)

A sala em medida exacta ou Do Branco

Procuro a sala exacta em sua medida. De linhas absolutamente rectas e janelas vertidas sobre o pateo. Sei hoje as suas cores, a luz como incide quando mexo em cada centímetro das cortinas. Procuro a sala exacta em sua medida e vazia em seu silêncio, sem móveis que contem estórias de seus espaços. Apenas espaço. A mansidão das horas ineterruptas. Languidez. Lansidão. Exacto, como o branco do mar como o pateo onde Antígona se viu sacrificada.

Do Outono

De mar e ondas
Como no início

Deixar que o poema se diga lentamente
Ao ouvido

De todas as coisas as tardes
A meia-luz
E o cheiro dos frutos ácidos
Sob a boca

Muralhas desta casa
Como uma Atenas de Espartanos
Poema de dizer indizível
Como em transe de pitonisa

Tudo em quase noite
As cores deste crepúsculo outonal

Mais tarde o dia
A vida
O sonho


Lentamente deixo o casaco escorregar-me pelas costas.
Na cadeira escrevo agora aquilo que oiço.

quinta-feira, outubro 28, 2010

Terribilíssimo

Amei-te no perfume ácido das laranjas

Por certo no Inverno,
Quando tudo esfria

E a cabeça tende a doer mais.

Terás o sabor ácido das laranjas
E isso é algo que já não vou nunca descobrir-

O teu corpo imaginado tantas vezes.

Ansiei mais pelos teus cabelos, no entanto.

Mas tudo era como no Inverno-
Frio, distância e desnexo.

Quem me dera guardar, flores secas entre os livros,
Para quando chegasse a Primavera.

Mas tudo era como o Inverno.

terça-feira, outubro 26, 2010

Ensaio em Gustavo

Como Gustavo conheceu Artur perto da perda de (um) Salvador mesquinho e de esquinas. De todas e tantas ruas- traçado geométrico do Bairro Alto. Fadista de encantos fanados. Como esta porta por onde entraram como se ainda agora mesmo os tivesse visto. E a correr- sobe e desce as ruas cheias de gente onde só estão eles- Artur e Gustavo. Dançando, dançando, dançando. Dancin' Days. Como mais uma novela barata- é assim que justamente os imagino, comos os entendo, como em verdade os escrevo e crio. Depois um beijo, dois três quatro cinco. Muitas línguas. Em palavras cifradas que na minha cabeça dizem um ao outro como se os visse, os ouvisse dizerem piropos banais um ao outro, piropos que numa outra realidade (como fora a deles criada por mim) funcionariam de facto. Aumento o já previsto, o visto de antes mais pela frente que dor detrás. De todas as coisas que vivem- agora manhã, um jipe- rumo à Peninha. O nascer do sol, um rumo de associações fáceis. O mistério, absolutamente inalcansável nestas palavras, em quase tudo o que escrevo. E ele, Artur, todo debruçado, todo misterioso sobre o inexistente Gustavo confessando o amor duma noite no cenário idílico onde só falta que a minha escrita tivesse qualquer qualidade.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Poesia (morta) de Outono

Um poema escrito no Outono
Não trás em si nada de novo.

Coisa triste e seca
Que se repete sem cessar
Apenas porque tem que ser.

O homem que amava o que era triste

Aquele homem amava o que era triste.

E sendo jovem era seco,
Uma geografia sem casa ou
Poço construído.

Era um homem mais triste que a sua tristeza
E de vê-lo dava pena.

E sentei-me assim para escrever
Das coisas tão tristes que eu sei
Que ele sentia.

Quando já não consigo escrever

Migração das palavras-

Apátridas esperando um barco no porto.

segunda-feira, outubro 11, 2010

Imladris

Olha agora os olhos
Que olharam a luz das árvores.

Quem voltará atrás
Ouvindo os belos cantos
Que os elfos cantam há anos
Em Imladris?

Olha agora os olhos
Que olharam a luz das árvores.

Quem desejará o regresso da fadiga
E do cansaço dos dias
Quando hoje repousa
Em Imladris?

Olha agora os olhos
Que olharam a luz das árvores.

Quem ansiará pelo combate
Vendo a forja reluzente
Das espadas dos senhores dos Elfos
Em Imladris?

Olha agora os olhos
Que olharam a luz das árvores.

Além aguardam os portões que guardam
O resto do mundo.
Porque ninguém,
Por mais anelante coração,
Restará para sempre
Em Imladris.

domingo, outubro 10, 2010

De um ia em que não fui sozinho a Sesimbra

Que dirás tu desta tarde
Sobre as colinas da Serra?
O mar por certo batia em ondas
Sobre a estrada dos carros.
Mas só isso?
A tarde era maior sobre a casa
Sem que tu mesmo o pudesses reparar.
E se me tivesses dito nem mesmo ai
Os teus gestos seriam necessidades.
Eu já sei do dia de hoje como se hoje eu
Mesmo o tivesse vivido.
Não podes agora abandonar a ideia da casa alta
Voltada em seus terraços nivelados
Para o pateo.
Ali é por onde escorre a água pura
Destes risos que ouves incansavelmente por todo o lado
Como uns abdominais tesos e duros que
Nunca se cansassem do mais divertido dos exercícios.
Vês como é tão simples uma tarde
Esta mesma sobre a Serra?
Então porque não tenho vontade de palavras,
Mas apenas das coisas que uma a uma recordo
Como se fossem por mim chamadas?

quinta-feira, outubro 07, 2010

Mães e Muralhas de Atenas

Eis aqui onde a lança espartana
Conhece a muralha de Atenas.

Por onde todas as mães choram
Vieram os soldados semi-nus
Com uma fúria que mais tarde outros diriam
Parecer-se a um afecto enamorado.

E deleitaram-se em Atenas todas as donzelas
Que esperavam sobre todas as varandas.

quinta-feira, setembro 30, 2010

Segredo, como se estivesse

Da água límpida de cada memória

Por sobre a sombra enigmática destes dias

Cada casa como uma estória que se conte muitas vezes
Para a sabermos de cor.

Ruas da cidade enquanto entardece,
Como um verbo que se usa por razões gentis de estilo
Mas que quer dizer muito mais do que nós.

Insaciável por Lisboa

Por hoje não me basta a cidade
Como se de um crepúsculo eterno me falasses
Agarrada como uma criança pequena a um chupa-chupa peganhento de melaço
Cada rua se torna um prazer indizível.

Hoje à noite na colina
Vivo sozinho na cidade
Onde os outros são apenas a elegante decoração
De uma sala de estar.

De anima

Sobre todas as coisas
A minha alma existe ao fim da tarde

Como um misterioso quiosque de jardim entre as folhas
Onde nunca conseguimos chegar.

quarta-feira, setembro 29, 2010

Da Água ou Das primeiras coisas que aconteceram no mundo

Como de todas as coisas,

Água,

Insuportavelmente leve e translúcida.

Aqui morou o espanto de todos os primeiros dias do mundo.

quinta-feira, agosto 12, 2010

Do Vazio

As palavras completamente exintas de prazer.

Caixa de ferramentas para obituários.

Dor incrível de criado agonizante-
Sem qualquer choro.

Enunciação dos versos sem nada que neles contenha.

Vazio.

quarta-feira, agosto 11, 2010

Sob a noite

Ninguém pode ver o espectáculo único:
Das palavras em linha
Cortando o meu corpo em infinitas metades.

Peso da leveza demasiado insuportável.

Peso em que a boca agoniza.

As palavras- um peso

Já não espero nada de mim-

As palavras que projecto escrever
Corroeram-me por dentro até que me acabasse.

segunda-feira, agosto 09, 2010

sexta-feira, agosto 06, 2010

Do prazer (sob a noite)

Sou o choro do deus que não existe

Assim a sua noite

Não busco moral nem conduta

Todo o meu corpo sou eu

E cada um dos seus cantos

É hoje uma geografia de prazer


Morro-me como a água que renasce

Meu corpo lambido de saliva

Eis que seguro entre as pernas

A taça que sacia todos os desejos


Dos deuses que não existiram

Tudo se possa escrever

Como o corpo ansiado

Que nunca se amou


Transpiro todas as ânsias

De um corpo

Orgasmicamente

Consumido

quinta-feira, julho 22, 2010

Musa Corpo Água

Sobre ti
Nunca se cale a musa

Do teu corpo afogado no meu
Como as anémonas da praia.

Geografia Errónea

Nas areias da praia

Está a linha dum corpo
Que amei pela noite
Até que a manhã me confessasse

Que aquela não era a minha
Geografia.

Do cavaleiro amado

Dele direi espaço
Mas nunca casa

Mapa
Mas nunca folha

Porque nele tudo é largo e natural
Sem páteo de muros que o limite.

Eis o amado
Cavalgador de cavalos em fúria
Sob a clara manhã de cada onda.

Geografia Babilónica

O corpo do amado como um mapa

Geografia onde construa casa e poço

Água onde solte cavalos como cabelos

Espaço de dizer:

"Ontem não te vi em Babilónia."

Geografia do corpo

Eis certa a geografia do teu corpo

Mapa estudado pela noite
Palavra secreta e minha
Que não mora debaixo de nenhum lençol branco

Lugar da musa
Das palavras, do silêncio.

Teu corpo, geografia

Teu corpo, geografia

Palmares de Junho, Abril e Verão.

Cada parte é uma casa
Ou fora um poço
Donde todos os dias recolhia água que bebesse.

Do corpo amantíssimo

Como a geografia de uma casa minha

Eis ora o corpo do meu amado
Estendido ao comprido da cama.

A Cidade

Esta cidade de prédios altos.

Como as praças, espectacularmente grandes, onde leio os outdoors distribuídos. Casa fica em todo o lado- desde as avenidas vivas aos becos de má morte logo ali ao canto.

Aquela mulher mora aqui. É fantasticamente bela. Usa um vestido elegante de griffe e um perfume assinado por um couturier de Paris. Para falar sobre ela escreveria muitas palavras em itálico onde estariam todos os galicismos que ela usa. É chique, como se diz.

Aquela mulher nunca apanha o metro. As estações meio sujas e defectas. As pessoas suburbanas e pendulares. E é tão complicado usar uma máquina de bilhetes. É que estragam as unhas de gel.

Às vezes a cidade tem casas antigas. Lá dentro fazem-se fotografias de moda. Os salões rocaille ficaram subitamente todos brancos e vazios. É assim que hoje se fotografa a moda. A moda da cidade é branca e preta, mas sempre clean.

Os autocarros não são nada cleans. Nunca vão estar na moda. No Inverno são particularmente molhados e de Verão são abrasivamente quentes. Os autocarros nunca param mais que três segundos e vinte décimas nos bairros elegantes da cidade. Tanto nos que têm casas antigas, como os que têm penthouses modernaças.

Os cafés do Uptown são elegantes. Servem macarons franceses de diversas cores e scones com manteiga derretida. As bocas dão trincas muito leves e muito curtas. Aqui debica-se.

Nos bairros da classe média a crise abica-se. Come-se à fartazana nos fast-food logo assim que se sai dos ginásios imitados dum Holmes Place. Há sundaes entupidos de chocolate para os mais gulosos e chantilly que chegue para todos. Têm a cara enfiada na comida e a bocarra sempre aberta.

Os prédios distinguem-se entre agradáveis apartamentos ou atarefados escritórios. Ali vive-se, aqui trabalha-se. Desfruta-se mais daqui, do que dali, no entanto. Os arquitectos fizeram prédios todos de vidro e escreveram sobre teorias novas. Agora as pessoas podem viver em casa e no escritório. Os prédios já são todos iguais.

Passam os carros de luxo, os autocarros, os táxis, os eléctricos, as carrinhas, as vans, os cabriolés, os comerciais, os modelos mais baratos e os caros e os assim-assim, todos com rodas e motores e buzinas. Todos a produzirem som, muito som, enfurecedoramente som. O som de cada rua e prédio da cidade desde as avenidas vivas até cada beco de má morte.

Do mar e das coisas

Que cada palavra seja natural

Como as ondas do silêncio
Em que cada poema nasce mergulhado.

Do amado deitado sobre as ondas da praia

Como os frutos doces
De um Agosto pela manhã

Assim o corpo do meu amado
Sabendo sob as ondas da praia
Aos sabores indizíveis
Do prazer.

A Ilha

Esta é a dor do Verão-
Que passe depressa.

Fossem dias eternos
Onde sob o calor peganhento dos lençóis
Sobre o corpo

Dormíssemos noites demasiado curtas.

Acordássemos para manhãs
Exactamente longas

E soubéssemos
Debruçados sobre a janela do quarto
Coisas do mar e das ilhas.

Poema do Amigo

Para o Luisillo

Dele
Dir-se-á a saudade de todos os dias

Como o poema indizível
Que mora sempre connosco
Tão perto e tão longe
Para que um dia
O passamos escrever.

Como os crepúsculos breves de Maio
Ou a sede logo saciada
Assim, me faz falta
Sem que nunca se ausente.

Dele dir-se-á dia e silêncio,

Pois nele estão todas as palavras
Secretas
Impossíveis à boca.

Dele dir-se-á hoje,

Mas também agora.
Pois ele é como o instante imediato
Fugitivo e constante
Sem nunca ser nosso
Estando lá sempre.

Dele dir-se-á amigo

E nesta palavra
Todas as outras calarão.

segunda-feira, junho 28, 2010

Tamina

A princesa da Cidade Santa mora por detrás dos seus véus. Sua pele palmada do Verão quente não sua ou transpira. Cada tatuagem do corpo é como um pomo de Deus. Respira o dia anseado do príncipe da Pérsia por buscá-la.

quinta-feira, junho 03, 2010

Solar

Como gesto novo
Assim aparece

O Poema

Sua coisa de espanto e calma
Como rio tranquilo de Verão
Um caudal langoroso

Imperceptível teia de Penélope
De dedos fiados demasiado finos
Para que se lhes possa seguir

Como um encontro do mar
Aqui minha alma repousará

Sou-me que me chegue

Debaixo da oliveira
Assim vem-me a musa

Seu sussurro inescutável
Em perseguindo

Aqui está a mais feliz tormenta

Poesias de Verão

As linhas do poema na noite quente de Verão.
O livro pousado na mão é como um gesto de espanto.
*
Os bois de Samarcanda lavram a terra estéril.
Em cada esquina um deus se levanta como um pomo dourado.
*
Gentil é o cheiro a cardamomo na manhã inicial.
O corpo do meu amado existe entre todas as coisas.
*
Como Sekhmet a leoa estende o corpo.
Os gatos dançam sua dança das três da tarde.
*
Impregnada, resta a casa com o cheiro das romãs.
O meu peito está imperturbável nos vidros da livraria.

sexta-feira, maio 28, 2010

Da Lua Nova sobre uma música que Daniela cantava

Para D., enquanto ouvia as suas músicas.

Olha, meu amor
Hoje vem a Lua Nova.

Namorámos a cidade
Lento a lento
Comendo o prazer de cada rua
Como a ambrósia irrepetível
Dos deuses.

Do Olimpo algumas cores
Como um quadro que pintaras
Lá longe
Quando os dias eram outros.

Deste se dirá rosa,
Daquele branco e daqueloutro amarelo.

São as janelas da cidade, meu amor.

Mas eis que vem a Lua Nova!

Meu corpo apartado do teu

Escuta ainda a tua voz
ao longe
não distante
Como canto de matar
Saudade.

Como canto de dizeres-
"Hoje-me aqui, meu amor.
Não me vês, mas ouves-me.
Ouves como canto para ti nas
Noites diurnas da cidade.
Até mesmo nesta em que hoje
É Lua Nova."

Fora eu de novo menino
Assim, como era no mar da infância
E de rir e de brincar
E de jogar as pedras e as palminhas

Cantavas para mim, meu amor?
Cantavas para mim ainda que
Fora menino
E sendo a Lua Nova tivera medo do
Papão?

Dizes-

"De nos sonhos
Nada se tem medo.
Estão nos sonhos as máquinas para fazer o mundo
E eu estou sempre nos sonhos
Para que possas encontrar-me."

Eu pergunto:
Mesmo hoje que é a Lua Nova
Sonhamos juntos, meu amor?
"Sim, mesmo hoje que é a Lua Nova
Sonhamos juntos, meu amor."

(E dizes-me ainda:)

"Ouve agora como quando me vês
Perto do gradeamento
Chorando à paisagem idílica da cidade.

Ouve agora dos poemas brancos
Que te canto
Sente-me perto
Sempre perto
Porque agora,
no fim das palavras que se dizem,
Aqui
onde o silêncio começa,
Já quase não há a Lua Nova.

sábado, maio 22, 2010

Do choro, lágrimas

Tivera hoje como uma vontade de chorar.

Não que houvesse razão, mas assim se dera.

Chorava, pois.

De manso, choro conjugado.

De mim para mim pensava-
Porque choro, ora?

De nada havia que pudesse dizer-
Eis esta a razão de chorar.

Mas chorava, chorei
Chorara já.

Não muito... pouco assim,
lágrimas escorregando lentas, quentes
Com a noite de verão insuportável.

O corpo como um vestido pegajoso
Pegando todos pedaços da pele

E elas escorrendo-
Lágrimas de contra-gosto sem nelas compreender
Razão.

Assim, de lágrimas
Vontade e escrita

Do choro virou poema

Virado nesta queda das palavras que aqui deixo
Como se nesta noite dissera-
Chorava com gosto de as escrever.

quinta-feira, abril 29, 2010

A Ponta-do-Sol

Há coisas que me povoam
Como se fora a sua casa.

As ruas da infância encontram por mim

Os seus caminhos.

Nunca um nostos
Nem saudade.

Gozo, prazer, riso
E essa memória perene de ser-se feliz à beira-mar.

Como o cheiro da sala
E dos retratos oblíquamente pendurados
Na parede
(outrora rosa e hoje amarela).

As crianças multiplicam-se até à infinidade dos dias,
Um infância continuada por cada criança
Do meu sangue.

A ilha, no fim do Caminho Novo.

Como mar e praia feita de ondas pedras amigos e memórias


Há hoje também a música d'ontem
Coisas mais antigas que velhas
("a avó tem as mãos pintalgadas como as bananas doces")
As suas unhas longas polidas
Enterradas no meu cabelo em anteriores caracóis
E uma rosa formosa
Ao embalar-me


Disto direi agora um caminho para casa-
Sem regresso ou retornamento.
Deixamos a nossa casa para irmos para a nossa casa.

A ilha é como se fora em mim uma casa de todas quantas coisas
Ela me traz
Recordando continuamente
A infância que se alarga pelos dias
Banhada no mar de pedras e ondas
Ao som da música antiga
Que cantam para mim as avós.

quinta-feira, abril 15, 2010

Poema de Merlim, Morgana, Artur, Ginevra, Lancelot e da Senhora Igraine, sendo que do primeiro e última aqui não se consta

(ou mais simplesmente Poema dum dia sobre um pensamento hoje miticamente céltico)

Para I., de ascéticos passos druídicos, como prova de que também nasci do mesmo rio Oceano e mesmo entre a coluna dórica, sobre o pateo branco, conheço sua alma irascível de carvalho e onda.

Celebra-me a alma
Nos fogos de Beltane,
Um novo rei Artur

De mito e espada
Uma Camelot inteira
Feita de cartas
Construída de coisas
Paradoxalmente
Irremediavelmente
Sólidas porque assim efémeras.

De Morgana,
Por sobre o lago,
Aguarda o barco
O dia a hora
Da bruma certa
Descerrada
Como de nova Ginevra
Lancelot,
Beijos adúlteros
Novamente adúlteros
Uma outra vez adúlteros

Como um círculo perpétuo
Nas muralhas do castelo
Como um amor
Inefugível
Que nenhuma Excalibur
Poderá, por ora, cortar.

A magia dos elementos
Essenciais
Palavra e Terra
Seiva rasgada dos
Veios carnudos dos carvalhos
Druídicos

Também aqui
Espaço Casa Verbo
Novo sonho, mesmo mito
Como se continuamente
Continuadissimamente
Alguém conjugue em deleite
e como seu
o declinável
Refurjar.

quarta-feira, março 24, 2010

Das coisas ditas, palavras, da Terra

Da terra, pergunta o menino, "que há-de aqui ser?"

Tenha noite quando for noite
E riso em toda a hora boa de rir.
E crianças
Que criança é bom de ver crescer.

Mais água fresca e sombra d'árvore. E canto de alegrar as almas.

Quando o menino perguntar "e aqui que há-de ser?"

Então diz-lhe

"Aqui, como um nome, seja casa."

Do langor

Assim o corpo, assim a calma,
Assim o espanto das coisas.

E casa e pateo branco ondas mar e além.

Assim o dia, assim o sol,
Assim a luz.

Todas as coisas existem na claridade de si mesmas.

Espelho

O poema existe na meta do indizível.

Isto que agora lês
Não é tanto um poema como o reflexo de um poema.

Não sobre ti, mas sobre mim.

Fosse de facto um poema, como nunca poderá ser,
E seria um reflexo sobre as
Coisas.

Do espaço e centro das coisas nomeadas

Aqui o espaço do nome.

De cada coisa s'inventa de dentro
Para fora
Como chamada por

Palavra.

De todas as coisas- omnia nomina.

Círculo certo e arguto, de espaço preciso,
Que busca a criar
Coisas
Espantadas.

domingo, março 14, 2010

Verão

Quando era novo e havia dias de sol, descia sozinho até ao calhau. A vila era o espaço da primeira liberdade. Conhecia as escadas, os caminhos e entrava nas casas que deixavam as portas abertas. Quando chegava ao calhau estendia a toalha. Havia sempre alguém no calhau. Na vila todos se conhecem. O corpo ficava levemente estendido ao sol, salgado de banhos longos e ondas perfuradas. Tudo era tranquilo.

Ainda hoje procuro um estrado onde deitar a toalha e esticar o corpo ao sol no calhau. Olhar o mar que chega até às cidades e deixar-me ser feliz por ainda não lá estar. Hoje já não tenho a minha namoradinha dos sete anos e em muitas das casas as portas fecharam-se porque as pessoas morreram. Mas ainda há portas abertas por onde se pode entrar.

A ilha da Memória jaz eterna na Infância.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

(Sem título)

À mesa o pouco pão é terra podre
Das terras que choraram a noite inteira.

Hoje o mar corre para as ribeiras
E espalha em todo o canto
O perfume enjoativo dos mortos
Em espanto.

Tudo é interior e fechado.

Negritude.

Eis que as ruas da cidade voltam a ser em pedra bruta.

Algures no oceano a ilha da Memória jaz desfeita.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Caleidoscópio

Fujo a cada impulso criador. Às vezes, por exemplo, estou parado em algum sítio... imagina a esplanada dum shopping dum subúrbio de Lisboa. Estou sentado, é Inverno, e apesar do frio o sol é quente que chegue para me espreguiçar na cadeira e lamentar não haver espreguiçadeiras. À minha frente há o barulho forte da auto-estrada que é o barulho mais lindo deste tempo. Tudo devia ser como a auto-estrada: veloz, moderno, eficiente e sem possibilidade de voltar atrás. Depois é assim, vês? Começo logo a divagar. A pensar muitas coisas. Quando estou sozinho penso porque acho que é o que as pessoas fazem quando estão sozinhas.

Mas voltemos ao assunto! Não, não vou fazer literatura agora se não a fiz antes.

Eu estou sentado. O mundo moderno está aberto à minha frente. Já falei da auto-estrada. Mas há betão por todo o lado. Muitos prédios onde vivem muitas pessoas em muitas casas. Foram todas equipadas no Ikea ou na Moviflor. É só uma questão de datas. Tudo é novo. O mundo moderno só existe a sério nos subúrbios onde não existem centros históricos. Foram deitados abaixo para construir eficientes repartições de finanças. Aquilo que o sociólogo da Câmara não deixou enfiar no entulho está no museu municipal ou à porta duma biblioteca da zona (quando há alguma).

Mas vês como me perco? Divagação outra vez!

Vou resumir os factos: é Inverno, mas o sol é quente e eu estou sentado na esplanada dum shopping suburbano com o mundo moderno à minha frente. Tudo o que eu disse antes cabe aqui: sem fazer literatura!

Conquanto esteja atento a tudo isto (repara como é elegante a palavra conquanto) há uns miúdos do liceu a conversar. Há aqui muitos miúdos do liceu porque são apenas 3h da tarde. Ali, naquela mesa, são dez: contei-os. Agora levantaram-se. Agora não há quase ninguém. Eu e uma senhora ali ao fundo sentada noutra mesa a falar ao telemóvel. Ela não tem o mundo moderno à sua frente, mas compõe a visão que eu tenho do mundo moderno.

É no meio disto tudo que tenho vontade de escrever. Nada disto cabia nas páginas dum romance. Um subúrbio, miúdos do liceu no shopping, a senhora a falar ao telemóvel. Depois penso que podia ter lugar num blogue. Num desses blogues que os tipos como eu têm, os tipos que querem escrever. Esses que os tipos como tu, os que escrevem mesmo, acham risível. Só acham risível porque é uma maneira literariamente polida de dizer digno de dó. É que "digno de dó", apesar da aliteração, não é nada polido. Não é nada digno de ser literário.

É isto mesmo, vês? É sempre assim! Penso em escrever. Mas depois penso no que é escrever: em tudo o que isso quer dizer, entendes? As implicações que tem. Escrever não é para um tipo numa esplanada dum shopping suburbano a falar de auto-estradas. Deve falar da vida. De pessoas. De complexidades. Deve ser uma coisa feita, construída. Olha, maquinada, que é mesmo a palavra ideal. Então não escrevo. Não escrevo mesmo. Recuso-me! A sério. Digo para mim "Não tires daí o caderno. Não escrevas. Não consegues. Escrever não é para tipos como tu. É para tipos mesmo bons que sabem o que fazem."

Nunca falei disto a ninguém. É paralisante, sabes? Tenho estórias na minha cabeça. É tão absurdo que narro para mim certos episódios porque passo. Narro-os como se estivessem escritos num livro escrito por mim. Mas eu posso lá escrever livros. Ou blogues. Ou coisas num caderno preto que se leva na mala.

Não escrevo, é como te disse. Fico muito tempo parado ao sol. A vontade passa. Com o tempo fica mais fácil. Eduquei-me bem. Agora já nem sinto vontade de escrever.

Fico sentado a pensar em muitas coisas como fazem todas as pessoas quando estão sozinhas.

terça-feira, janeiro 19, 2010

O estado da Arte

A arte não pode ser limitada por algo tão reles como as pessoas. As pessoas são apenas cobaias da arte. A grandeza de tudo o que sentem não é senão acessório para a grandeza de tudo o que escrevo.

Outros diriam que sou desprezível. Mas o que dizem tem a importância limitada da matéria bruta para que depois eu a escreva. Se tivesse moral era um cínico. A moral serve para pôr em bons livros e dá boas tramas. Eu não tenho moral e assim tenho todas e consigo escrevê-las. Sou vazio de tudo para que tudo de desprezível que acontece às pequenas pessoas à minha volta me encha e preencha as páginas quintessências que escrevo.