Há coisas que me povoam
Como se fora a sua casa.
As ruas da infância encontram por mim
Os seus caminhos.
Nunca um nostos
Nem saudade.
Gozo, prazer, riso
E essa memória perene de ser-se feliz à beira-mar.
Como o cheiro da sala
E dos retratos oblíquamente pendurados
Na parede
(outrora rosa e hoje amarela).
As crianças multiplicam-se até à infinidade dos dias,
Um infância continuada por cada criança
Do meu sangue.
A ilha, no fim do Caminho Novo.
Como mar e praia feita de ondas pedras amigos e memórias
Há hoje também a música d'ontem
Coisas mais antigas que velhas
("a avó tem as mãos pintalgadas como as bananas doces")
As suas unhas longas polidas
Enterradas no meu cabelo em anteriores caracóis
E uma rosa formosa
Ao embalar-me
Disto direi agora um caminho para casa-
Sem regresso ou retornamento.
Deixamos a nossa casa para irmos para a nossa casa.
A ilha é como se fora em mim uma casa de todas quantas coisas
Ela me traz
Recordando continuamente
A infância que se alarga pelos dias
Banhada no mar de pedras e ondas
Ao som da música antiga
Que cantam para mim as avós.
1 comentário:
Esse teu poema foi uma das coisas mais lindas que li, escritas em língua portuguesa, nos últimos tempos. Tens a marca de teus antepassados portugueses entranhada em tua escrita: a doce melancolia de Pessoa, e a vista limpa de um certo Caeiro. És grande, és mar e além das coisas e do enamorar-se do Tejo...
"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E, de vez em quando, olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto(...)"
( de O Guardador de Rebanhos )
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