quinta-feira, abril 29, 2010

A Ponta-do-Sol

Há coisas que me povoam
Como se fora a sua casa.

As ruas da infância encontram por mim

Os seus caminhos.

Nunca um nostos
Nem saudade.

Gozo, prazer, riso
E essa memória perene de ser-se feliz à beira-mar.

Como o cheiro da sala
E dos retratos oblíquamente pendurados
Na parede
(outrora rosa e hoje amarela).

As crianças multiplicam-se até à infinidade dos dias,
Um infância continuada por cada criança
Do meu sangue.

A ilha, no fim do Caminho Novo.

Como mar e praia feita de ondas pedras amigos e memórias


Há hoje também a música d'ontem
Coisas mais antigas que velhas
("a avó tem as mãos pintalgadas como as bananas doces")
As suas unhas longas polidas
Enterradas no meu cabelo em anteriores caracóis
E uma rosa formosa
Ao embalar-me


Disto direi agora um caminho para casa-
Sem regresso ou retornamento.
Deixamos a nossa casa para irmos para a nossa casa.

A ilha é como se fora em mim uma casa de todas quantas coisas
Ela me traz
Recordando continuamente
A infância que se alarga pelos dias
Banhada no mar de pedras e ondas
Ao som da música antiga
Que cantam para mim as avós.

1 comentário:

Arquitetura da Ausência disse...

Esse teu poema foi uma das coisas mais lindas que li, escritas em língua portuguesa, nos últimos tempos. Tens a marca de teus antepassados portugueses entranhada em tua escrita: a doce melancolia de Pessoa, e a vista limpa de um certo Caeiro. És grande, és mar e além das coisas e do enamorar-se do Tejo...


"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E, de vez em quando, olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto(...)"
( de O Guardador de Rebanhos )