quarta-feira, junho 06, 2007

Segredos dos amantes escondidos

Para I. e A., até que chegue a Setembro.

I
Na noite quente das amoras
Escrevo-te.

Vê que há uma liberdade
Só nossa na noite.
É nosso aquilo que
Só nós conhecemos.

As minhas mãos escorrem
Pelas paredes brancas da casa.
É como se te acariciasse.

Vivo nas palavras dos segredos
Escondidos,
Guardados nas horas dos
Recantos onde desenhamos
As hipóteses dos primeiros beijos.

Amo-te como se ama o
Fim da tarde:
Ao fim de um longa espera.

II
Falo-te na manhã fresca dos frutos.
O cheiro inunda agora
A casa
Com os nossos segredos.

Compomos um tesouro feito
De palavras não ditas.
É uma música que dança
No silêncio provocado
Dos nossos corpos.

Ardo por te encontrar.
Que as minhas mãos
Sejam os meus olhos,
Aranhas que traçam
Teias sobre o teu corpo.

Desenho-te no espaço
Ensaiado das horas
Em que te espero

Permaneço. Anseio-te.

terça-feira, junho 05, 2007

Homero talvez

Homero talvez,
Um encanto de fim de tarde.

Ilha grega:
Teu corpo,
Minhas mãos.
Intenções.

Repouso a cabeça
Sobre o teu peito,
Hora dos ritos.
Construção das tardes
Iniciáticas
Dos nossos dias longos.

Árvore,
Homero talvez.
Palmeira de Delos.
Fruto, sonho.

Mergulho.
O mar é mais azul
Quando se guarda o Mediterrâneo na boca.
As tuas mãos seguram os meus
Tornozelos.
Nado.
Busco a unidade.

Ânfora, coisa d'alma,
Homero talvez.
O encanto de um
Pateo branco
Sobre um porto
Breve.
Recriação,
Começo,
Cais.

Partimos.
Viagem incessante
Das mãos.
Altar.
Teu corpo, terra de
Imolação.
Primícias.

O vento vem do mar
Leve, forte,
Preciso.
A casa constroe-se
Na luz das suas janelas.

A minha alma é branca
Como as partes que
Conheço do teu corpo,
Homero talvez.

Dizes noite.
Música.
Os teus pulsos seguram
Os meus.
Levanto-me.
A força dos meus braços
Ergue-me acima da
Materialidade das coisas vivas.

Espanto,
Homero talvez.
Vinho, vinha, vento.
Barco, branco, breve.
Mar Mediterrâneo.

Desafogo.
Teus olhos,
Terras de oliveira.
Doce labor dos azeites
Que me escorrem pelas mãos
Na tarde das aranhas.

Orégão.
Trinco os frutos verdes
Da areia pedregosa.
Sal.
Há uma saída
Além nas grutas,
Homero talvez.

Ulisses, Aquiles, Heitor,
Minha Tróia feita
De muros caídos.
Anseio constante
De estrada que sobe.
Soneto medido na
Perfeição do templo.
Minha coluna dórica,
Meu espaço idílico,
Centro de mim.

Projecto fabrico
Real festa enfeite
Vida,
Homero talvez.

Mesa de estudo

As horas não te trouxeram:
Levaram-me.

O tempo não perdoa:
Ditador.

Ficam as minhas palavras,
Já soltas,
Perdidas.

Encontra-as, acha-as
E fala-me delas,
Espantos que me digam coisas
Do cair da noite.

sexta-feira, junho 01, 2007

Desabafos literários ou O milagre da criação das coisas exteriores a nós

Não tenho encontrado tempo para escrever, mas apetece-me muito. Talvez eu não saiba investir tempo. Escrever é como ser artesão e dedilhar o tempo com as mãos. Eu com certeza perdi essa noção vagarosa do tempo, perdido entre as coisas que no meu tempo levam as pessoas a perderem-se. Vamos chamar-lhe futilidades. Eu prefiro ilusões breves, mas talvez sejam na verdade futilidades.

A cidade traz-me muitas vezes o que escrever. Se o Tejo não se esgota de água também não me esgota a inspiração. Vão nascendo dentro de mim. Muitos morrem. Aprendi tarde, mas bem, que escrever é ser Deus, logo é um acto blasfémico. Não devíamos poder escrever, a escrita aproxima-nos da criação e logo de Deus. E Deus não deve estar próximo, mas presente, ainda que de esguelha, naquilo que escrevemos.

Esta aura de criação e de criacionismo que envolve a escrita seduz-me como uma bebedeira de licor de chocolate ou como um Domingo de sol passado na Pena. Viajo várias vezes ao passado para criar. Algumas ao passado de mim, muitas ao passado dos outros. Os outros são sempre mais interessantes porque os seus segredos são confessáveis. Os nossos nunca!

Andam por aqui algumas personagens. Felizmente são poucas e dão-me o trabalho que me chegue. Tenho sobre elas uma visão completamente paternalista e isso já não me incomoda. Não são minhas: são eu. São parte intrínseca de mim, foi de mim que as arranquei. (Ainda que tudo isto surja como um cliché, os clichés também se sentem). Ando é com falta de vestidos no armário para elas. Têm andado nuas e ainda assim parece-me que passam bem. Lamento é quando elas ainda são disformes ou quase nada. Por vezes surje serem assim. Elas pedem-me muitas coisas. Nem sempre acedo.

Estou constantemente fascinado comigo próprio quando crio ou penso criar. Descobri-me. É um processo pouco modesto e quase sempre arrogante. Algo em contrário foge à verdade. Ao real foge-se sempre quando se cria. Mesmo para depois retornar. Há saídas nos movimentos fenemenológicos e a composição das letras, que constroem a composição das personagens, é talvez a maior das divagações.

Mas para tudo é preciso tempo. É uma certeza bíblica que o Eclesiastes nos garante. Quem me dera saber tecê-lo. Talvez me faltem Ulisses que me ofereçam tempo mais do que amor. Lá fora, felizmente, ainda não deixei de me deslumbrar. Lá fora. Quase tudo é lá fora. Mesmo quando é cá dentro. Fenemenologias da escrita. Hei-de ser artesão. Mais tarde, quando houver tempo. Por agora nascem pelas ruas, sedes das igrejas onde Deus sou eu.