domingo, maio 24, 2009

Duma tarde de Domingo

Da vida dir-se-ia uma tarde de domingo. Ao fundo da sala resta a mesa cheia de coisas d'ontem: os pratos ainda sujos da sobremesa, os copos ligeiramente entornados deixando uma e outra mancha de tinto sobre a toalha. O corpo afundado no sofá, afogado em almofadas e mantas. Emoções em pequenas cenas passam no ecrã. Ocasionalmente, alguém ri e isso lembra-nos o prazer de ter amigos. Felizes, os olhares encontram-se na sala. Enquanto o sol morre na varanda sabemos, descansados, que está tudo bem.

sexta-feira, maio 15, 2009

Retrato de elegante saboreando um sorvete

Vejo-a enquanto morde e masca a fruta de gosto forte e ácido. Por vezes dá gritinhos e outras tantas faz caretas de desagrado. Mas continua a levar a fruta de gosto forte e ácido à boca. Estica os beiços e dá breves dentadas. Enquanto o suco lhe ultrapassa as papilas gustativas e lhe chega ao esófago, percebo um ritual humano e de segredos. Em cada gesto resta um espelho que revela o contrário do que esconde. Como ver agora cada reflexo em cada espelho e ainda assim sentir o seu sabor?

terça-feira, maio 12, 2009

Para uma tarde em que talvez amasse uma rapariga sobre uma janela

Dizem assim que é tão bela
E bela coisa de ver.
Não sei se bela é ela
Ou qualquer coisa além dela
Que se parece perder.

Tem recato e é bela,
Ela sobre a janela,
Isso todos dirão.
É ela mais bela que a janela,
Janela por ela aberta
Directa ao meu coração.

Das coisas que o corpo nu de um homem nos faz pensar

De um dia como hoje
Diga-se
Sol, mas também vento.

Sobre a mesa
A ideia
Da imagem do teu corpo estendido.

A pele escura e um cheiro
Intrincado
Difícil de destrincar.

Jogamos o jogo dos signos
E outro
Das palavras fáceis.

Há coisas ainda para dizer:
Agora as tuas mãos, como cavalos,
Pelos meus cabelos,
Como mar.

O teu beiço de carne
É agora
Silêncio.
Um gemido breve
Mas, lânguido.

Nele sei que há também outros dias,
De outras
Palavras,
Mas nunca mais como este.

quinta-feira, maio 07, 2009

Um corpo que não o toque

Teu corpo que não toque
E teus cabelos que não os sinta

Em força és ausência em mim
E quase abstracção

Não sei, mas sinto
E nem sei o que sinto

Nem nada do que é de saber

Teu corpo escapa-me
Foge-me

Ausentas-te de mim

Como se nunca mais viesses
Como se nunca estivesses
Perto do meu corpo

A respiração lenta
A viagem das tuas mãos
Novas terras que reclames

Lembra-me de chorar-te
No dia que chegar Outubro
Quando os dias perderem sentido

Ideia de mulher que dorme sobre uma rede

Simples como a água é o canto

De redores, de estradas, de espanto

De cavalos em fúria em teus cabelos.


E dizê-lo é chegar-te

Como o sol das três da tarde

Enquanto tua alma transpirada resta

Sob o sol de todos os dias.

domingo, maio 03, 2009

Evocando a última cena do bailado "Inês de Castro"

Dona Inês está morta, mas sussurra no ouvido de Dom Pedro:

"Leva-me a dançar sobre a água"

No corpo jacente e bailante de Inês, Pedro planta um jardim de coisas indizíveis. Tudo nasce sobre a água que submergiu o convento de Santa Clara. Essa água emerge em nós, sempre que uma Inês sussura ao ouvido de um seu Pedro.

Em noite frente ao Tejo ou Ensaios de literatura vindoira

Nas horas inumeráveis e inexistíveis encontro um espaço
Por onde abrir uma porta.

Coisas que se digam.
Guardo amenos silêncios romanos.

É de tarde no forum da minha vida
E estendo uma rede da coluna de Trajano à coluna de Adriano.

Uma cesta leve
Leva coisas que me fazem feliz

Como o rio.

Hoje é um dia em que estou frente
Ao rio assim que cai a noite.

Ao longe os cafés, os restaurantes,
Todas as coisas de frenesim

E na estação os combois vão para longe
Com coisas de livros que quero escrever.