segunda-feira, setembro 29, 2008

Contorno algo incerto ou Cisne barroco esvoaçando as asas

"Maruliano, meu avô, acreditava nos astros."

E repito tantas vezes, palavras mágicas.

Encontro o impensável, para dizer o indizível.

É que agora talvez já não te ame.

Recomeço

Disse-te em palavras mornas

Da mansidão em que levo a alma.

Foi Verão, Primavera e Outono nesta ordem certa.


Teu corpo quente tem um quê de se fazer frio

Quando te toco.

Há estações, mas não estações para nós.


Para nós há dias de Inverno

Em que sol e céu são apenas uma ideia

Para além das nuvens.


Para nós nem nós mesmos havemos.

Não há nada teu que tu me dês

E tudo quanto te queria dar é agora algo

Indizível, indecifrável, até mesmo para mim.


Eis palavras onde não escreverei porém.

Hoje já não há espaço para falar dos teus olhos verdes,

Ou do teu sorriso,

Ou do cheiro do teu cabelo quando enfio o nariz na tua nuca.


Hoje não há sol,

Sem sol não há tempo de nós.

Agora somos dois, eu e tu,

Sem palavras, sem risos, e de lágrimas tão cheias e secas.


E talvez por aqui haja um caminho onde seguir

E no fim

Construa um hoje que seja meu novamente.

De l'espoir (Da esperança)

O texto que se segue foi novamente roubado a um querido amigo. O texto em francês é seu enquanto a tradução livre é minha.

- Regarde, mon amour! Il y a le soleil qui se lève et la pluie qui cesse!

- C'est bien drôle, puisque l'été s'achève.

- Oui... ce seront peut-être les feuilles de nos chagrins qui tomberont cet automne.

- Je crois. Je crois en nous.



-Olha, meu amor! Eis o sol que se levanta e a chuva que cessa.

-É estranho, porque o Verão acaba.

-Sim... talvez venham a ser as folhas das nossas dores que irão cair neste Outono.

-Eu creio. Eu creio em nós.

sexta-feira, setembro 19, 2008

Pois que a eles já ninguém os rouba!

Entre os tantos tipos curiosos de gentes que o nosso país tem produzido entendo que resta falar de um a que se tem prestado pouca atenção. Falo do madeirense, esse tipo tristonho e insular a que vamos dando lugar de baixa monta.

É bem verdade que em quase nada se apresenta como um tipo de excepção: passa a vida bilhardando e resondando; não sendo introspectivo é bem virado para si; cultiva um certo tipo de mesquinhez que talvez valesse a pena estudar. Mas o que importa realmente no madeirense, o que o faz digno de nota e da escrita é a sua arte superior de evitar ladrões. Pois que o amigo mais céptico não se pasme que juro falar verdade. Descobriu o madeirense essa fórmula mágica, que o resto do povo português tanto almeja, de evitar a ladroagem. Não os pequenos entenda-se, que em se agarrar punhados de grãos de areia sempre escapa este ou outro, mas os grandes que são afinal quem importa porque roubam a valer. Senão, vejamos como o fazem.

Como vimos imediatamente há assim dois tipos de ladroagem: essa da arraia-miúda, antes com uns furtos e uns assaltos às bombas de gasolina, hoje já mais evoluída com direito a car-jackings e assaltos a bancos com reféns e tudo; aquela a que tantos chamam política, mas que na verdade não se fica por aí, pois qualquer tacho em Portugal, ainda que indirectamente ligado à política, já é bom para exercer a ladroagem. A primeira para o povo, a segunda para os espertos. E a única maneira de superar estes segundos é ser-se ainda mais esperto que os espertos. E aquilo que tem levado anos e anos aos teóricos políticos a descobrir descobriram-no os madeirenses logo nos primeiros anos da sua democracia. Qual é pois o grande motor da ladroagem dos tachos? Ora, é mais que claro: a rotação dos cargos. Ora se dá quatro anos de comer a este, depois tu esperas mais quatro enquanto eu lá vou, que a seguir já te vens encher outros quatro. E o madeirense há trinta anos que começou a acabar com isso. Primeiro, nunca mudou de Presidente Regional e conferiu-lhe sempre, em voto democrático, livre e secreto maioria absoluta. A maioria absoluta serve dois propósitos: num primeiro tempo de poder permite roubar tudo quanto se quer; num segundo tempo permite afastar esses rufiões que depois de verem os outros com a pança cheia também querem então ir encher a sua. É que se o madeirense descobriu como por fim à ladroagem, não descobriu nem descobrirá como se põe fim aos ladrões. Mas voltemos ao assunto que nos ocupa e que louva o tipo do madeirense. Depois de garantir o mesmo Presidente Regional ocupou-se o madeirense de uniformizar nos seguintes vinte anos todas as autarquias do arquipélago sobre uma mesma bandeira. Se essa é a bandeira regional ou a bandeira do PPD-Madeira é assunto de pouca monta, que afinal do amarelo ao laranja vai uma pinga de vermelho, que até serve para não virem dizer que não à esquerdismo na ilha.

E agora pensa o bom leitor que esse tipo fantástico que é o madeirense, a quem todos deviam estar gratos pela sua descoberta, viva na sua ilha olímpica uma paz dos deuses. Desengane-se então, pois que há coisas que não se mudam, como vimos. O madeirense, apesar de não se lembrar muitas vezes e de não o querer outras tantas, ainda é português. E ao povo português não se pode tirar um fado que se chore. Não, o povo da Madeira cá continua bilhardando e resondando políticios, ganhos e custos. Lá vai, num canto do autocarro queixando-se disto ou daquilo com a frase sempre generosa que ocupa a ponta dos beiços de todo o português: "isto vai mal!" frase que requer ser dita de maneira séria, pensativa e até filosófica como uma verdade assertiva ao jeito de Atlas que leva o mundo sobre os ombros. Mas ai daquele que se insurja contra o Governo Regional. Aí o madeirense não perdoa! Pois que rouba? Ora se vier outro rouba tudo de novo e este ao menos já roubou tudo quanto tinha a roubar. Pois que é mentira? Então um homem que podendo morar no belo palácio da Quinta Vigia abre antes os jardins do paço ao público e para mais de quarenta anos mora na sua pequena casa e não faz férias senão no Porto Santo. Um homem que só melhorou a Madeira e a rasgou de estradas e furados! Pois, que um homem destes mesmo que roube é santo, que os santos também são homens e lá têm tentações e seus pecados. E ao madeirense parece pouco preço a pagar pelo grande homem que em todas as eleições sentam de maneira livre e democrática na cadeira do poder.

Felizes madeirenses, atentados com tantos tormentos, que ao menos perderam esse de serem roubados em grande ladroagem. Que importa a liberdade de expressão, que importam as tramóias na função pública, ou caciquismos e clientelismos? Que importa que a isto outros chamem ditadura se ao madeirense é a democracia que melhor lhe convém? Pois paga-se tal preço para que não lhes roubem os bolsos, que esses que roubam são cubanos do lado de lá do mar, que a Madeira até vai mal e sem dinheiro que a culpa é deles e não do madeirense. Que importa se o País não deve temer ladrões, pois porque há-de temer ladrões um país que já não tem nada que roubar? Ora não senhor! O que importa ao madeirense é que lhe deixem o bolso quieto que a sexta-feira chega sempre e fim-de-semana é tempo de gastar e haja dinheiro para ser gastado sem que ninguém o faça desaparecer. Que depois segue-se a segunda onde enfiado nos bancos de autocarro lá vai o madeirense no canto culpando o cubano e afirmando a verdade máxima e última que tudo vai mal.

Isto o que Portugal precisa, e o madeirense já descobriu, é de António de Oliveira Salazar que esteve lá quarenta e poucos anos e nunca roubou tostão que fosse. Esse sim havia de guiar os destinos da gloriosa democracia lusitana a belo porto!

quarta-feira, setembro 03, 2008

Digo-te: anseio!

Para Sara Guia d'Abreu

(Procuro uma posição na cadeira para escrever. Vou escrever rápido para que as palavras não se percam. A tua música corre no computador: "Un jour triste". Eu começo)

Amanhã será dia, como hoje foi. E não será como o hoje, nem como o amanhã do amanhã. Será dia como terá de ser. Cada dia com suas palavras novas de dizer e de calar.

Digo-te: da minha janela vê-se o mar e na ilha a noite chegará em duas horas. Há nuvens e não há sol. Amanhã haverá sol? Quem sabe se na minha janela amanhã haverá palavras para que eu me debruce no parapeito e diga "Hoje é um dia de sol!"

Tenho o corpo deitado sobre a cama. Tapei a janela com os taipais da janela. É de tarde porque em mim, enquanto escrevo, já é amanhã. É amanhã como digo e estou deitado, de tapais tapados, tapando a janela. Entra uma luz fina porque as cortinas são finas como a luz. Eu estou parado na cama, de corpo para cima e a luz enche-me. Estou a criar palavras.

De onde as palavras nascem é algo que não posso dizer: se da luz que amanhã me virá ao quarto se da música que corre agora, hoje, pelo computador e por mim. Não estou ligado à máquina, mas à música e talvez da música às palavras.

Digo-te hoje, julgando que é a tarde de amanhã: palavras de ser adolescente e estender o corpo no relvado do liceu; e medo do teste que vem; e o primeiro copo e a primeira noite; e confissões e risos; e tantas coisas de ser feliz e triste ao mesmo tempo; e digo tempo de conhecer e saber; tempo de amar e de criar. E lembro com saudade e sem mágoa palavras de ontem que não voltarão a ser hoje nem amanhã, nem mesmo no amanhã do amanhã.

Lembro-as hoje, sentado ao computador com medo que fujam, ou deitado amanhã à tarde sobre a cama. E seja onde for estico o braço e tu estás lá, porque são palavras de dizer que te amo e que me lembro.