quarta-feira, outubro 29, 2008

Desabafo ou Palavras diárias sem linha mas com fio

A música em flor-de-lis. A falta do Tejo. O teu corpo que não me pertence. Petrónios e Anícios de há tantos tempos. Escrever incessantemente. Voltar a escrever depois.

Não me ligues sempre se faz favor. A mim também me dói e perco tempo para te consolar. Tomar conta de crianças adultas, tormento. Ser genial, ser mais genial, ainda ser genial. A falta do Tejo. Eu sem Lisboa.

Montras, lojas, roupas. Desejos. Pessoas, jantares, almoços, palavras. Ocupem-me que bem preciso!

E tardes e computadores e coisas para escrever. Fadiga. E tu ligas. E ele também liga. E falam um do outro. E eu que penso em mim e no outro que não é o mesmo outro.

Eu arvorado em Prima-Donna. Sim, é mesmo tudo sobre mim. O blogue é meu!

Eu arvorado em Prima-Donna. Milhares de episódios de Anatomia de Grey. Milhares de sexo platónico. Alguma masturbação. Pornografia.

Cansaço. Grande cansaço.

E as noites, noites sempre de noite, sempre escuras enquanto é noite e de noite. Amanhã. Palavra e desejo constante. Vou esquecer tudo e construir amanhãs como num filme qualquer.

Mas por onde é que eu ando!?

terça-feira, outubro 28, 2008

Estória das duas cidades com rio ou Conversa entre coisas que nos rodeiam

Para Ana Garcia e Sara Borga, porque me inspiram .

A. senta-se numa cadeira perto do lago. A. descobriu agora a vida em Lisboa e isso entusiasma-a. Este é um prazer conquistado: A. senta-se numa cadeira do Relógio d'Água com uma fatia de bolo. O jardim Amália Rodrigues é agora um dos seus sítios preferidos. Há gente e vida assim como ela queria que houvesse. As pessoas têm em geral um ar feliz e o jardim é quase sempre verde. Outubro é agora escaldante nas suas tardes. E isso agrada-a. Ver as coisas acontecerem fá-la sentir que faz parte delas. A. está sentada na sua cadeira mas viaja em torno de si e dos outros.

Enquanto, S. lembra-se de Lisboa e do jardim Amália Rodrigues dos tempos em que morava no Bairro Azul. Era mais nova, mas já tinha os olhos abertos. A mãe levava-a a passear pelo corredor verde. Uma bicicleta ocasional parece-lhe agora ridículo, como antes lhe parecia fantástico. Em Gent, frente ao rio, são várias as bicicletas, todas ocasionais, porque para todas as ocasiões. Outubro tem agora tardes enregelantes enquanto S. se habitua aos rigores do Norte. Os gestos são uma chamada de atenção constante e S. deixa-se levar. Desenha incessantemente para captar a vida da pequena cidade à sua volta. Porque nas tardes de Outubro S. tenta entender a vida da cidade enquanto se senta numa café junto ao rio.

A. e S. têm normalmente vidas distantes. Partilharam uma vez algumas palavras e uma peça de teatro, uma tarde no São Luiz. A. e S. amam a vida da cidade e têm sede. A sede fá-las procurar novas nascentes. No metro, ou a caminho da faculdade numa bicicleta. Na aula de economia financeira ou frente a uma tela. Ao som dum cavaquinho ou ao som de qualquer que seja o instrumento típico dos belgas. A. e S. dão saudades porque vão fazendo a vida loge de mim, mas sobretudo guardam em mim esperanças de outras sedes.

sexta-feira, outubro 24, 2008

Passeio do pequeno conde ou Viagem em redor de outros

Esta gente aqui sentada é sempre algo estranha. O mundo passa veloz lá fora, tão mais veloz quanto tudo anda mais rápido. E passam as luzes e vagueamos no escuro a 200km/h até que se ouve uma claro som, quase sempre sobreposto aos outros, que anuncia: "próxima paragem...".

Esta gente aqui sentada não tem pressa, mesmo quando tem. Há quem bata um pé nervoso e vá dando estalidos com a língua. Outros bufam constantemente. Alguém há-de ter a culpa por chegarem atrasados onde hão-de chegar. Alguém que não eles. Todos nós os outros. Mas o tempo não passa, só o nervosismo deles aumenta. O comboio continua estagnado enquanto viaja à velocidade da escuridão.

O pequeno conde senta-se alheado e distante numa cadeira a um canto. Um homem, à sua frente, tira da mala uma sanduíche. Trinca-a em grandes nacos que mastiga com vontade. Ver alguém abrir uma mala é sempre uma surpresa, uma interrogação e um verdadeiro acto de coscuvilhice, porque é simplesmente impossível resistir à curiosidade. É assim como um Kinder Surpresa, três desejos num só, mas numa versão adulta, melhorada e que não faz mal aos dentes embora não comporte tanto leite para beneficiar os ossos. É como dizia, resistir a olhar é quase impossível. E o momento melhor é aquele antes, em que estabelecemos um jogo de adivinhas connsoco mesmos. O que será? Ah, uma sanduíche, nota com ar aborrecido. O pequeno conde ouve muitas vezes a voz da mãe na cabeça. Que não se deve olhar, nem espreitar, nem coscuvilhar. Mas a mãe não anda por aqui todos os dias e sabe pouco desta tentação.

Mas há mais pessoas neste micro-universo que se reorganiza a cada nova paragem. São mulheres de encantos fanados e roupas justas. São crianças aspersoras que balançam o guarda-chuva molhado dum lado para o outro. São pais que berram e pais que se deixam estar enquanto a filha mama furiosamente a ponta do casaco. São novos executivos que berram muito alto ao telémovel. "Sim, estou no metro. Não, não, claro que posso falar! Diga, diga..." e aumentam a frequência em decibéis impossíveis para se fazerem ouvir. São jovens suburbanos que chegam do colégio e entrando no Rato só querem ouvir a senhora do anúncio anunciar que a próxima paragem é Odivelas.

Onde quer que pare a vida desta gente, ou Olaias ou Areeiro, ela passa e pára no Metro. E há quem não perceba e quem não pense nisso. Até o pequeno conde lhe dedica pouco tempo. Mas há perguntas que ficam. Quantas vezes ao longo da vida teremos visto a mesma pessoa no comboio sem nos darmos conta?

E há vezes, embora houvesse mais antigamente, em que o Metro pára no túnel escuro. É como se a escuridão forçada acordasse as gentes. De súbito, e por não mais tempo que isso, todos sabem do momento comum que vivem e do micro-kosmos onde se encontram. Agora há amigos dum minuto a quem dizer "E eu que estava cheia de pressa!", ou "Isto é sempre o mesmo!". Até o pequeno conde, entusiasmado, se vira para a senhora velha e gorda ao seu lado e diz "Que aborrecido, não é? Isto do Metro parar...". E a senhora torce o nariz, mas consciente de que não terá mais amigos senão o pequeno conde durante o tempo de paragem do Metro, ri, concorda acenando com a cabeça e continua a conversa.

E o metro voltou a andar. A seguir é a vez do pequeno conde sair. Não olha para trás, mal se despediu da senhora velha e gorda, não voltará a pensar nela. O pequeno conde poucas vezes voltará a pensar em todas estas coisas no correr deste e doutros dias. Mas é certo que a vida do pequeno conde há-de voltar a passar pelo metro e lá passando há-de parar nesse tempo infinito entre uma estação e outra em que se formam micro-kosmos.

quinta-feira, outubro 23, 2008

Cliché ou Noite em desabafo

Dói como uma dor estranha. Agora sei tudo o que tinha medo de saber e ainda tenho. E não estou livre, mas ainda preso. Porque ele está dentro de mim. Porqe ele é ao mesmo tempo a maior das alegrias e a mais profunda das dores. E não há como arrancá-lo porque ele e o que sinto por ele são hoje um só!


E dói e dói e dói sem nunca parar de doer, mesmo quando é bom. E não há mais nada lá fora, só ele e as suas palavras cheias de vento e de coisa nenhuma. Agora restam-me promessas que só eu entendo e esperanças que só eu tenho. E agora há dias no meu futuro que não vão nunca existir.


São dias de dizer a pele dele sobre a minha e o peito dele encostado ao meu. Mas sempre sendo dois e nunca um. Sempre perto mas vivendo a maior das distâncias, sempre desejando sem nunca saciar o desejo. E ele morre aos poucos, comido pela dúvida. E eu morro aos poucos vencido pelo cansaço de tudo isto.


E já nem escrevo e já nada do que digo presta. E já nem penso porque nada do que penso chega. E já não olho porque ando de olhos fechados para o ver só a ele. E sofro, sofro, todos os dias sofro. E eles repetem-se infindavelmente, sempre iguais e escuros, como uma lembrança de que o tempo passa, mas não cura.

sábado, outubro 11, 2008

Desconsolo ou Vitória do dia que há-de nascer amanhã

Em nada nada direi

Que não há nada que em nada se possa dizer.

E de dizer nada nada fica

Nada passa, nada marca.


Mancha imaculada

Em nada que tenha, nada comporta ou conserva

Que é nada que eu sinto agora

Como se nada tivesse sido e em dia nada resolvido

De nós mais não sobresse que algum breve resto de nada!

Renúncia do dia que não existiu ou Busca ansiada do corpo perfeito que eu criei

Aqui em vã fraqueza me quedo

Sem corpo teu ou meu que chame.

quinta-feira, outubro 02, 2008

Eça

Estranha gente, para quem é fora de dúvida que ninguém pode ser moral sem ler a Bíblia, ser forte sem jogar o cricket, e ser gentleman sem ser inglês!

In Eça de Queiroz, Cartas de Inglaterra e Crónicas de Londres (publicado pela 1ª vez em 24 de Outubro de 1882 na Gazeta de Notícias)