quinta-feira, julho 22, 2010

Musa Corpo Água

Sobre ti
Nunca se cale a musa

Do teu corpo afogado no meu
Como as anémonas da praia.

Geografia Errónea

Nas areias da praia

Está a linha dum corpo
Que amei pela noite
Até que a manhã me confessasse

Que aquela não era a minha
Geografia.

Do cavaleiro amado

Dele direi espaço
Mas nunca casa

Mapa
Mas nunca folha

Porque nele tudo é largo e natural
Sem páteo de muros que o limite.

Eis o amado
Cavalgador de cavalos em fúria
Sob a clara manhã de cada onda.

Geografia Babilónica

O corpo do amado como um mapa

Geografia onde construa casa e poço

Água onde solte cavalos como cabelos

Espaço de dizer:

"Ontem não te vi em Babilónia."

Geografia do corpo

Eis certa a geografia do teu corpo

Mapa estudado pela noite
Palavra secreta e minha
Que não mora debaixo de nenhum lençol branco

Lugar da musa
Das palavras, do silêncio.

Teu corpo, geografia

Teu corpo, geografia

Palmares de Junho, Abril e Verão.

Cada parte é uma casa
Ou fora um poço
Donde todos os dias recolhia água que bebesse.

Do corpo amantíssimo

Como a geografia de uma casa minha

Eis ora o corpo do meu amado
Estendido ao comprido da cama.

A Cidade

Esta cidade de prédios altos.

Como as praças, espectacularmente grandes, onde leio os outdoors distribuídos. Casa fica em todo o lado- desde as avenidas vivas aos becos de má morte logo ali ao canto.

Aquela mulher mora aqui. É fantasticamente bela. Usa um vestido elegante de griffe e um perfume assinado por um couturier de Paris. Para falar sobre ela escreveria muitas palavras em itálico onde estariam todos os galicismos que ela usa. É chique, como se diz.

Aquela mulher nunca apanha o metro. As estações meio sujas e defectas. As pessoas suburbanas e pendulares. E é tão complicado usar uma máquina de bilhetes. É que estragam as unhas de gel.

Às vezes a cidade tem casas antigas. Lá dentro fazem-se fotografias de moda. Os salões rocaille ficaram subitamente todos brancos e vazios. É assim que hoje se fotografa a moda. A moda da cidade é branca e preta, mas sempre clean.

Os autocarros não são nada cleans. Nunca vão estar na moda. No Inverno são particularmente molhados e de Verão são abrasivamente quentes. Os autocarros nunca param mais que três segundos e vinte décimas nos bairros elegantes da cidade. Tanto nos que têm casas antigas, como os que têm penthouses modernaças.

Os cafés do Uptown são elegantes. Servem macarons franceses de diversas cores e scones com manteiga derretida. As bocas dão trincas muito leves e muito curtas. Aqui debica-se.

Nos bairros da classe média a crise abica-se. Come-se à fartazana nos fast-food logo assim que se sai dos ginásios imitados dum Holmes Place. Há sundaes entupidos de chocolate para os mais gulosos e chantilly que chegue para todos. Têm a cara enfiada na comida e a bocarra sempre aberta.

Os prédios distinguem-se entre agradáveis apartamentos ou atarefados escritórios. Ali vive-se, aqui trabalha-se. Desfruta-se mais daqui, do que dali, no entanto. Os arquitectos fizeram prédios todos de vidro e escreveram sobre teorias novas. Agora as pessoas podem viver em casa e no escritório. Os prédios já são todos iguais.

Passam os carros de luxo, os autocarros, os táxis, os eléctricos, as carrinhas, as vans, os cabriolés, os comerciais, os modelos mais baratos e os caros e os assim-assim, todos com rodas e motores e buzinas. Todos a produzirem som, muito som, enfurecedoramente som. O som de cada rua e prédio da cidade desde as avenidas vivas até cada beco de má morte.

Do mar e das coisas

Que cada palavra seja natural

Como as ondas do silêncio
Em que cada poema nasce mergulhado.

Do amado deitado sobre as ondas da praia

Como os frutos doces
De um Agosto pela manhã

Assim o corpo do meu amado
Sabendo sob as ondas da praia
Aos sabores indizíveis
Do prazer.

A Ilha

Esta é a dor do Verão-
Que passe depressa.

Fossem dias eternos
Onde sob o calor peganhento dos lençóis
Sobre o corpo

Dormíssemos noites demasiado curtas.

Acordássemos para manhãs
Exactamente longas

E soubéssemos
Debruçados sobre a janela do quarto
Coisas do mar e das ilhas.

Poema do Amigo

Para o Luisillo

Dele
Dir-se-á a saudade de todos os dias

Como o poema indizível
Que mora sempre connosco
Tão perto e tão longe
Para que um dia
O passamos escrever.

Como os crepúsculos breves de Maio
Ou a sede logo saciada
Assim, me faz falta
Sem que nunca se ausente.

Dele dir-se-á dia e silêncio,

Pois nele estão todas as palavras
Secretas
Impossíveis à boca.

Dele dir-se-á hoje,

Mas também agora.
Pois ele é como o instante imediato
Fugitivo e constante
Sem nunca ser nosso
Estando lá sempre.

Dele dir-se-á amigo

E nesta palavra
Todas as outras calarão.