quarta-feira, novembro 28, 2007

Elisa

For the charming young lady Reynolds, who has inspired these words.

Elisa; que fascínio! Vê-la, pudesse eu vê-la como ontem, como antes, como há dias! Branca, bela e breve, longa, lisa e leve. Quando ela passa, passa e ao passar traz encanto.

Admirá-la é ganhar tempo. Enquanto as suas mãos pousam ao seu colo Elisa é também os seus olhos. Que palavras para os olhos de Elisa? Que sonho quando nos olha com seus olhos sonhadores. A gente mergulha e s'entorna em seus recatados pudores.

De Elisa dir-se-á que é bela. Que ela é bela é nela um estado de existência. Elisa. Que nome, que insistência. Elisa!

Elisa em brevidade, Elisa em sonho, em cratera, em porvir.

Elisa meu sonho manso, deleite de meu descanso, Elisa do meu devir.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Palavras de um amor que já não é mais ou Pequeno episódio trágico dos quotidianos

De ti tenho nojo e abstracção. Que há mais entre nós agora que viciámos as palavras?

Nunca mais te poderei dizer nada de belo e não voltará a haver horas entre nós agora que encheste o silêncio de vazios.

E ainda assim insistimos os dois neste mundo de coisas não-partilhadas, nesta cama descoberta e desfeita onde agora só dormem dois corpos.

Houve um tempo em que soubemos ser um. Mas o tempo do mito foi há muito tempo.

Fomos comidos pelos dias e não temos senão as sobras parcas de um quotidiano exausto.

Já não há mais nada em mim que te dê.

Já não há nada de ti que eu espere na lonjura dos dias.

Não esperes o meu corpo esta noite deitado ao lado do teu.

domingo, novembro 18, 2007

O milagre da existência das coisas ou Espanto em contínuo que me corre as palavras

Eis que o dia ligeiro se acomoda.

Sob os raios da primeira luz
As coisas existem plenas de espanto
Em ser elas mesmas.

As tuas mãos, um mistério

Sei sempre onde encontrar
Os caminhos das tuas mãos.

São segredos à tarde.

Longos, brandos, mansos,
Chegam cedo.

Ficam.

Restam.

Lá no caminho das tuas mãos
Que ainda joga calmamente
O jogo das minhas coisas
No demorar certo de todas as horas.

Palavras que perco

Onde, por onde,

Mais longe, cada vez mais...


Palavras minhas que correm soltas

Em espaços que ficam

Para além dos dedos das minhas mãos.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Segredos que se perdem nas palavras do silêncio

Porque me pedes algo de maior

Dir-te-ei o silêncio

De cada coisa

Que fala sempre nas horas perdidas

Para que saibas do espanto e da verdade

Em tudo o que existe.

Palavras brancas ou Poemas em branco

Espanto

Quando a palavra ganha corpo

Na exactidão da página branca.

Como é certa

A linha traçada

E ainda assim eu resto aquém

De tudo aquilo que guardo para dizer.

Esperança clássica

E agora, ó Parcas, que vos dizer de mim?

Tarde é a hora dos deuses, jovem a hora dos Homens.

Que sabemos nós do sonho de Adriano ou do canto perdido da Sibila?

Declinação em torno do outro ou Ligeiro cansaço ao estudo do Grego

Podia pois discorrer sobre todas as declinações do seu nome.

Como se numa brincadeira descobrisse para si o jogo da sua essência.

Passeio pelas salas de uma casa que mal existe

O silêncio da casa violenta-me os sentidos. De lento, exploro. Em cada quarto explode uma confissão.

Em baixo nas salas há o cheiro novo da tinta. Inspiro. Alguém apaga passados.

Cansado, busca as camas em cada quarto. Quem dera pudesse o meu corpo dormir em todas elas numa mesma noite.

Um retrato na mesa ligeira sorri. Quem poderá dizer que estórias ele guarda? Somos todos felizes nos retratos. Quem não sorri para um retrato?

A casa dança uma dança interminável de escadas. Vão dar a todos os sítios possíveis, mas quase sempre onde não queremos ir. Não há portas a não ser as que levam para outros quartos.

Enfado. Um tédio brutal e de morte invade-me. Acomoda-se. Jogado sobre uma poltrona velha. Que há para entender nesta casa?

Não há cor, não há brisa, não há linhas. Desespero, angústia e tanto cheiro a coisas perdidas.

É um banho de suor que me acorda.

Divagações sobre um Inverno próximo

Pudera eu ser como tu. Atenta como antena escutas o poema indizível até que se diga por completo ao teu ouvido.

O pateo é branco como uma manhã de Inverno e certo como a névoa e o frio. Perdidas no suor da tarde as aranhas desenham calmamente o seu labor.

Há uma delicadeza de orégãos pelo ar. Cheira a tempo novo.

A tua mão poisa de súbito sobre o espanto das coisas. Eis que acordam!


Há muito tempo foi o tempo do mito.

terça-feira, novembro 06, 2007

Palavras para um velho amigo

Ao meu Pedro.

Velho amigo,

Os fins de tarde já são longos agora. A noite chega mais cedo. Talvez devesse dizer como fomos felizes antes. Nos tempos em que era de dia quando era dia. Há quem diga que sim...

Preocupa-te com outras coisas. Não te assustes com elas. Não reconheço qualquer ausência do Verde nestes dias mais escuros.

A horas certas chamo e continuas a vir. Sinto mais saudades do teu abraço do que antes. Talvez seja por isso que hoje ele me sabe melhor.

Continuas quente. Continuas no meu quotidiano.

Tenho orgulho em ti. Caminhos que traces. Metas onde chegas. Ensinaste-me o esforço de todos os dias.

Ensinaste-me os tempos do silêncio e as palavras que o silêncio mede.

São dias novos, velho amigo.

Não há nada de bom em continuar a viver bons tempos, mas antigos. Entusiasmante é atravessar contigo, por onde quer que andes, todos os tempos que nos cheguem.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Carta aberta a um amigo

-Tenho pensado muito no que me disseste. Custa-me tanto tudo. Pensei que não ia ser assim, esperei que não fosse. Mas custa-me.

-Estás magoado comigo, é isso?

-Não contigo, com aquilo que tu disseste.

-Isso é exactamente a mesma coisa. Nós somos aquilo que dizemos. Existimos na medida das nossas palavras. Podemos ficar aquém do que dizemos, mas nunca além. São as palavras que nos moldam, que nos fazem. O que eu te disse é o que eu sou.

-Mas as tuas opiniões sobre mim, sobre o que eu sou...

-As minhas opiniões não são sobre ti. Não foi isso que me pediste, não foi isso que eu te dei.

-Mas é igual ao que disseste. São sobre algo que eu sou, algo que em tantas coisas me define. São contra o que eu sou.

-São contra uma parte de ti. Uma parte importante, é verdade. E não é que seja fácil transpor o que eu acho sobre isto e passá-lo para ti. É como se eu preferisse que tu existisses à parte disso. Mas não pode ser assim.
Tens razão. É contra uma parte de ti. Que eu não entendo, nem aceito.
Não é fácil. É muito difícil.
Mas olha para mim. Eu não posso existir além de todos estes anos. Eu sou aquilo que fiz de mim mesmo. Mas aquilo que fiz de mim mesmo não deixa de ser influenciado pelos sítios por onde andei até agora. E foram tantos anos...
Tu indignas-te e julgas-me porque eu não aceito. E eu? Eu devo aceitar que tu não me aceites? Porque tu não me aceitas. Nem me entendes. Ao menos eu procurei entender-te.
Mas tu, tu chegaste cheio de certezas das tuas filosofias democráticas. Tu vieste com os teus chavões e os teus rótulos. Foste tu o primeiro a acusar. Quem foi mais justo de nós os dois?
Podia dizer-te que gostava de não pensar assim. Não é verdade. Gostava de não ter que pensar nisto. Gostava que não fosses assim.
Mas és, e eu gosto de ti. Não é fácil. É muito difícil. Mas eu estou a tentar. Estou a tentar mesmo. Só que resulta melhor se tu tentares comigo.
Não podemos existir além das nossas palavras, mas podemos existir além de todas as nossas partes. Apenas as palavras são o nosso todo.

E ele ficou ali. Quedo, imóvel. Quieto e à escuta. Para ouvir a chegada dos dias em que chegassem as palavras.

Dizer de palavras

Para a Luísa Vaz Ferreira, amiga de pouco tempo, mas de tantas e tantas coisas com o carinho profundo das palavras.

Leves, longas, lisas,

Assim as palavras.


Como a mão experiente

Como os frutos que colhe

Azuis como o mar

Brancas como o páteo

Breves como o Verde.


Enlaçam estranhos desenhos

Mistérios antigos.

Têm cheiro de orégãos

E odor forte de coisas que voam.


Uma viagem pelo que foi.

Velhos barcos, novas velas.

Escuta onde quebra a onda, atenta.


De baixo de água abre os olhos.

É o espanto das coisas enquanto existem.


Assim as palavras,

Leves, longas, lisas.

domingo, novembro 04, 2007

O rapaz de asas marcadas pelo fogo (L'énfant aux ailes brûlées)

O texto que aqui apresentamos foi descaradamente roubado a um amigo. A tradução que o segue surgiu do nosso fascínio por esse mesmo texto.

"L'enfant est resté là-bas. Perdu, il croise les chemins qui mènent aux sommets des volcans.
L'enfant aux ailes brûlées, essaie d'entendre le vent. Les voix des temps oubliés, des murmures qu'il ne comprend plus.
Il pleure l'Atlantique. Du feu dans son sang, du noir dans son coeur. Le corps par terre, il désire le ciel. Noyé dans sa mer, il rêve l'infini.

Je sais bien que tu me cherches. Moi aussi, je voudrais te retrouver."


O rapaz ali restou. Perdido, ele busca os caminhos que apontam ao cimo dos vulcões. O rapaz de asas marcadas pelo fogo procura compreender o vento. As vozes de tempos esquecidos, murmúrios que não entende mais.
Ele chora o Atlântico. O fogo no seu sangue, o negro no seu coração. Com o corpo por terra, ele anseia o céu. Mergulhado no seu mar, ele sonha o infinito.

Sei bem que me procuras. Pudesse, também eu, encontrar-te.

sexta-feira, novembro 02, 2007

Colheita de palavras ou O esforço da escrita

Para a Susana Correia, que pediu as minhas palavras.

Digo-te

Um espaço onde se construam palavras.

Um olhar deitado ao quotidiano.


Atento, quase imóvel,

O outro, o breve,

A essência.


E assim encontro um espaço

Quase terrível,

Quase de medo

Em cada página branca onde escrevo.

A tela sobre o Tejo

Palavras que não são de escrever,

Cidade em plácido anonimato,

As pessoas que passam pelas ruas,

O sangue que flui durante as horas.


Lisboa sem retratos

Retratada de gente.

Entre os passos suas histórias,

Segredos que digam um dia.


Enquanto,

Respiro, reflicto.

A cidade, o rio, talvez o fado.

Coisas que conte depois de amanhã.


Agora

Fecho os olhos,

Descanso.

Deixo pousar

De manso

A tela sobre o Tejo.

quinta-feira, novembro 01, 2007

Carta ao rapaz atlante

Ao Ivan, em fraternas insularidades.

Rapaz atlante, era preciso que tivesse palavras para te dar. Que podes ter tu de mim que eu te dê?

Tu sabes da bruma e do cheiro que ela encerra, conheces as palavras guardadas no vento do oceano e vês para onde o açor vira as suas asas.

Eu não tenho mais tempo senão em que te diga aranha, orégão, odor. Tempo em que te fale da tarde e em que descreva as medidas exactas de um pateo grego.

Que há das máscaras, dos ditos, dos coros, que te diga em cima do palco de Dioniso essencialmente nu? Estou como quem não pode estar, na frieza de uma estátua grega de Praxíteles, certo como coluna no frontão do Templo.

Eu que sou do Branco e dórico no corpo, que há em mim que se assemelhe a teu passo invulgar de divindade celta? Não penso que haja palavras que nos possamos dizer.

A vida não é uma delicadeza que se lê numa elegância de fim de tarde.

Que posso eu que sou mar dar-te a ti que és também oceano? Atento como a onda quando quebra, escuta.

Et pourtant, est-ce que je peux aussi pleurer l'Atlantique? Je veux tellement rever l'infini.