sábado, setembro 17, 2011

Da perda

Perder vem de manso e instala-se nesta cadeira ao meu lado. Depois jogo este quebra-cabeças sem número em que cada dia é mais uma peça falando-me do que perdi.

sábado, setembro 10, 2011

Ritual

Como se das ondas um campo trigado.
Tuas mãos côncavas em alegre seara.

Um jeito de correr, corpo molhado,
Coleccionando as espigas da estrada.

De tarde nunca falavas.

Tisnado do sol, aquele banho
Era o ritual de outras coisas.

No meu regresso

Quantas vezes isto houve no meu regresso?


Deixa que aconteça- o poema
Dir-se-á até ao final.


Era assim que lhes falavam
Os antigos chefes das tribos.


Os homens dançavam uma
Dança de barro.


Chamavam-lhe início.
Depois foi de dia...

quinta-feira, setembro 01, 2011

Praia

à avó Nicha, essência da minha infância

Naqueles dias-

O vento soprava sempre
Porque éramos velozes a abrir as janelas
E a fazer a cabeça espreitar de fora
Contra as vozes irritadiças das mães
"Ponha já a cabeça para dentro".

Quase não abríamos os olhos, rasgados como um chinês,
Mas tudo era sentir e saber,
A mão inclinada daquela maneira que o tio ensinou
E que não causa atrito.
O vento forte.

Toalhas estendidas longas na praia, banhos de mar e seixos rolantes.
"Cuidado que o mar hoje puxa"
Aquela onda que vinha debaixo da outra e depois eu não vi
Deve ser assim um pateo branco e quadrado
Era a voz da mãe aflita e a mão forte de todas as mãe aflitas
Já não estava dentro de água tinha só o corpo molhado
E um raspanete valente a zumbir nos ouvidos.

Brincadeiras e rochas, pernas esfoladas
"Viu que saltei da pedra grande, mãe?
Foi tão bom- agora não há mais medo, hei-de sempre lá ir"
Queria sentir outra vez o corpo a entrar
A água gelada e depois sabia onde ficava cada osso
Certinhos todos os duzentos e seis.

Hoje ninguém quer comer "faça sandes para levar"
Come-se ali no bar da praia.
Mas não que demora muito tempo,
Esperamos três horas e isso não podemos
Que não queremos deixar de ir ao mar
Mostrar aos grandes que sabemos dar mergulhos, furar ondas
E que não temos medo porque ontem a mamã viu-nos
Pular da pedra grande.

Há tarde sabe melhor "protector na cara, já"
Era aquela pasta pelos olhos, os beiços bem para dentro
Para nem provar
"Estou branco, estou branco?"
"Pareces um E.T."
Risada pelo calhau que se ouvia em todo o lado.
Pastas e pastas de protector e depois era aquele saquinho
Champo e gel
Rápido para os duches
"Eu sou o primeiro"
"Ui, que gela, mal posso cá estar"
"Só aguentamos na praia, est'água assim tão gelada"
(anos a seguir vieram os senhores e proibiram aqueles banhos
e nunca mais tomámos duche ao canto da praia e viamos o por-do-dol
e dizíamos "ai que lindo!")

"Siga já para casa d'avó. Lá ficamos à espera"
Toca a subir essa calçada feita de calhau, vila acima,
Aqui é só escadas
"Um beijo a Nossa Senhora da Luz"
"Mas entrar assim na igreja- molhados e de calções?"
"Nosso Senhora não se zanga, quer é beijinhos que Ela ouve mais
A quem é mais pequeno".

Corre, corre a ver quem chega primeiro
"Deixe os patos da ribeira, vamos indo"
Hoje os patos têm todos penas
Não era como naquele dia das estórias
Que as penas estavam na casa das tias velhas e não nos patos
Coitadinhos, que os patos também sofrem para nós termos nossos milagres.

A bexiga aperta tanto e só há uma retrete.
"Vamos contar piadas, a ver se passa o tempo"
"Um de cada vez para irmos todos"
"Eu primeiro e tu depois"

Esparramados no caramanchão da sala
Tão cansados do banho e dos mergulhos e do mar que não tem fim
E aquele que se'nrolou e aquele que saltou da pedra
Agora os grandes já sabem como eles mergulham
"P'ró ano ainda está mais crescido"
Vamos com estórias para contar, tantas quando chegarmos a casa
Tudo a rir enquanto janta.

Era assim ser feliz sem saber, mas lá no fundo sabendo
Quando o verão era verão
A praia era calhau
E todos que deviam por lá estavam.