quarta-feira, janeiro 30, 2008

Cinco teorias sobre o riso ou Conjunto de cinco quadros bastante risonhos

I
Uma gargalhada. Algures na ponta da mesa alguém disse alguma coisa sem graça (fez-nos rir apenas a vontade de rir).

II
É certo que há silêncios em todas as viagens. Vamos dizer ordinarices só para os chatear.

III
Nada existe superior à Linguística. É por isso que nos rimos tantas vezes.

IV
Entre a Linguagem, a Farmácia e a História podem criar-se múltiplas ligações. Assim como um rendez-vous de coisas apatetadas que existem num mesmo espaço por acaso.

V
Por fim, a procura do sentido nas coisas sem sentido dá-nos vontade de rir ainda mais. O riso lembra-nos da nossa estupidez natural.

Viagem através do Silêncio ou Contorno de outras palavras

Para dizer alguma coisa bastaria que me calasse.

Ainda assim as minhas palavras iriam até onde tu estás.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

sexta-feira, janeiro 18, 2008

O teu corpo e a minha noite

Enlaço meu laço enlaçado

Em torno do torno do teu torso

E sigo seguindo a noite

Até que breve o sol a verta em manhã.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Brevidades a que mal se pode dar um nome ou Claro anseio pelo verão enquanto é de noite

Se esta noite se alongar em meu corpo

Que me chegues de Verão e Esperança

E cansado derrames em torno

Quantas palavras couberem no teu ventre novo.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Enquanto me deito com as tuas palavras

É quando me chegas

Que tenho ganas de me deitar com as tuas palavras

Longas, lisas, leves,

Mas tuas, como o meu corpo é teu

Agora que morro de uma pequena morte dentro de ti.

Mediterrâneo ou A essência do Branco ou ainda Súbitos anseios mediterrânicos pela palavra Poesia

Para a Daniela, sobre uma conversa, mas sobretudo sobre o Branco.

Nem às escuras, nem sob as sombras,
Ausente da seiva de sangues correntes,
Ou da cadência dos corpos mortos,
Sem mágoa, ou raiva, ranger de dentes
Ou mesmo a força em fúria de braços tortos,

Será limpo e leve o dia novo
Filho dum Crepúsculo de Verão
Na casa, no mar, além do povo,
Por onde o labor das aranhas corra o chão.
A ânfora, a coluna, o Fado, o encanto,
A História e em tudo o odor do orégão
E no dia branco, no pateo branco,
Eis que surjem, escondidos dum canto,
Os deuses que a palavra Poesia carregam.

domingo, janeiro 06, 2008

Palavras que diga ao amigo distante ou Dança moribunda de quotidianos outrora íntimos

Era tudo na banalidade dum restaurante pela hora do jantar. Algures em Lisboa, desses sítios onde, com hora marcada, se consegue uma mesa para sentar-se mais de oito. O preço, claro, vem com o corre-corre das pessoas por aqui e por ali roçando-se contra as costas das cadeiras (“Com licença, com licença!”), roçadas todas umas de encontro às outras numa rentabilização implacável do espaço.

Por sítios destes tudo começa em tom mais elevado, sobretudo as conversas. Leves, fluidas, banais e breves e sobretudo fáceis de mudar o rumo. Discorriam sobre tantas coisas poucas, memórias dum passado ainda recente, ainda presente em quem é jovem de mais para contar a memória em décadas.

E pelo meio dos outros ele rejubilava. Uma alegria exagerada, dessas que a culpa leva em lume brando até estar bem cozinhada. Uma euforia em melaço, quase aos gritos. Queria tudo ao mesmo tempo. Quase em pontas (as cadeiras sempre tão próximas) corria a mesa de ponta a ponta e perguntava tudo a todos: por onde estavam, que faziam, com que vagar lhes corria a vida mais que os dias. Dava grandes palmadas nas costas dos homens e beijos alongados pelas bochechas das meninas. Era como um vinho mau que todos devem suportar num jantar de cerimónia.

O outro ali ficava olhando, esperando, rindo por vezes. Como que aprendia. Sentados lado a lado quantas vezes ele lhe espetou os dedos no ombro “Então pá, que tal vai isso?”. Soltava lugares comuns em resposta. Percebia agora que amontoava palavras mais do que verdadeiramente falava. Deixava-as sair em catadupa, quase sem controlo, tantas vezes tão próximas da histeria do outro. Eram quase sempre molhos de palavras lambidas na vontade imensa que por uma vez soassem como antes, como quando conseguia falar e ser escutado.

Este é o momento em que a intimidade regride. E uma dor em todas as maneiras dolorosa atravessa-os aos dois, tão diferente porém em cada um, como os lados opostos e intocáveis de uma mesma coisa. Um soltava promessas de futuros jantares, anseios de encontros. Lançava-se num devaneio de projectos quixotescos como se de cada vez tentasse baixar a culpa por um fracasso que só ele considerava. Porque em verdade tantas promessas não eram mais que a negação do seu falhanço na gestão da sua vida, das suas horas onde os amigos podiam encontrá-lo talvez uma vez de dois em dois meses. O outro evitava-o enquanto se evitava. Aprendia o contrário da intimidade, que é bem mais difícil que o caminho contrário a esse. Recusava-se as respostas, moderava-se nos sorrisos, contava os olhares no medo que fossem já demais. Era uma luta de fera ferida travada consigo mesmo, em si mesmo, como se se negasse um grande prazer que sabia de antemão mais que efémero, algo já no limbo confuso e leve da sua vontade e do real.

Entre os dois não havia agora silêncios, mas vazios. Não havia nada para dizer à boca fechada agora que o seu quotidiano inexistente sufocava moribundo ao peso das horas. Porque entre eles calcavam-se fundas as horas, os dias, os espaços que não partilhavam mais, tudo aquilo que agora já não dividiam. E assim afundavam-se ainda mais nessa dança macabra e triste do desespero de recuperar algo que talvez se tivesse irremediavelmente transformado.

No fim de quase todas as coisas, depois de quase todas as lutas, entraram no carro para que ele o levasse a casa. E pela primeira vez o vazio, que entre eles se sobrepunha ao silêncio, tornara-se esmagador. E mesmo que tivessem tentado quebrá-lo não teriam sido capazes de quebrar algo que escapava desgraçadamente ao seu controlo.

Saiu do carro sem abraços, quase sem palavras. A dor era tão funda, tão cavada entre os dois no abismo do vazio que preferiam não se falar assim como dois amigos que, na iminência duma viagem, preferem não se encontrar no dia da partida para não sofrer mais esse instante. Não sabem que o sofrimento de partir não é senão a materialização do medo de perder que é o maior de todos os medos. Mas é ao mesmo tempo o alento do desejo de voltar. É quando a dor chega a sítios tão fundos que toca os nossos sentimentos que sabemos que é hora de forjar novas palavras e viver ainda novos dos infinitos quotidianos que se podem viver entre duas pessoas.