terça-feira, março 08, 2011

Poema do Tio Olavo

Ajuntámo-nos ali como as crias das águias
Sem que tarde ou mar nos viessem

Chorámos incessantemente por uma vitória
Longo tempo imaginada

E só o sol se pôs no horizonte

Em nós nunca pusémos mais que a força
Dos instantes milimetricamente acontecidos nas nossas vidas

Sem a sombra de que mais tarde houvesse consequências

A tarde nem sequer existia senão num conceito abstracto de rima

Todos os dias comíamos a areia das praias
Porque delirávamos sonhando com sermos peixes azuis brincando
Em gentis recifes de corais
No Ocenao pacífico

Não podia necessariamente ser ilha
Porque nunca nada me envolveu por completo

Fui sempre algo mais do que alguma coisa de que se pode dizer
Isto aqui
Ele é tão só isto aqui

Ninguém é tão só alguma coisa

Havia depois uma janela que na casa abria sobre o pateo
Era lá que as crianças brincavam

O tio Olavo martelava com fúria as teclas precárias da máquina de escrever
Era um pouco de mais

A vida tem que ter algo de exagero
Ou seríamos monótonos como um carreiro certo de formigas
Sem que o coração batesse violentamente dentro do peito

Enquanto esperamos por alguma coisa que há-de vir alguma coisa que não se saberá nunca o que é

Não podemos ansiar
Porque não podemos usar palavras sagradas
Nem gestos nem ritos
Nem rituais em que deusas nascem do mar engrinaldadas de violetas

Afrodite escrevia tragédias no Olimpo
Isto é um dado certo e seguro
Nada na História comprova que Hefesto o tenho feito, mas Afrodite sim

Escrevia tragédias descontinuas
E criou conceitos que só as pombas brancas conhecem

Certa manhã o Tio Olavo parecia filosofar com as pombas brancas
No beiral da janela do escritório

Nós as crianças vimos tudo enquanto
Brincávamos no páteo

Quem sabe se não seria tarde em vez de manhã
Ou em razão se não seria nenhuma hora do dia
Ou se não seria mesmo dia
Mas instante

Todos nós estávamos nas palavras que ele escrevia
nas teclas precárias da máquina de escrever

Depois as palavras, sempre as palavras
Ele repetia as palavras
Incessantemente as palavras

E agora sou eu que continuo a construir o seu mundo
Como Afrodite no Monte Olimpo escrevendo tragédias.

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