quarta-feira, março 16, 2011

A marquise e as gaiolas

à Tia Lil

Eram seis da manhã quando atravessava o Príncipe Real. Lisboa ainda sem gente, mas já com sol. Maio. É como dizer que nasciam flores no jardim e mais à frente nas roseiras que plantaram no miradouro.

O Tio Raoul tinha aqui uma casa quando eu era pequeno. Era um apartamento antigo da rua da Escola Politécnica. Tinha um quarto interior, com uma janela interior. Ai era a casa de jantar. Isto era um fascínio.

Havia também uma marquise de ferro azul que dava para o pateo traseiro do prédio. Há um único pateo para os prédios da rua da Escola Politécnica que se estende do Museu de Ciência ao palacete Ribeiro da Cunha. Por isso é demasiado grande para ser um pateo e demasiado seco para ser um jardim. É um quintal?


O Tio Raoul tinha gaiolas na marquise e dentro delas tinha piriquitos coloridos. Todos tinham nome e eu não lembro do nome de nenhum. Os piriquitos nunca me fascinaram. Mas as gaiolas.

Eram 6h45 quando cheguei ao meu apartamento em Campo de Ourique. Tenho uma casa pequena pela qual pago muito dinheiro. Pelo menos é muito face ao seu tamanho que é apenas razoável. O meu quarto é quase do tamanho da sala e as janelas fazem um marquise. Não tenho mais nada no quarto: uma cama de casal, duas mesas de cabeceira e vinte e sete gaiolas de todos os tamanhos e formas dispostas ao longo da marquise do quarto.

Lembram-me o Tio Raoul que era um tio de que não gostava particularmente. Gostava da sua casa, fascinavam-me as suas gaiolas. Das vinte e sete que tenho, catorze são dele. Todas as que guardavam piriquitos coloridos na marquise de ferro azul.

Amanhã vou ao banco, depois à imobiliária e vou mandar tirar o cartaz que diz "Vende-se" e por outro que diga "Vendido" no apartamento da rua da Escola Politécnica. Já não aguento mais não guardar as minhas gaiolas naquela marquise de ferro azul.

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