terça-feira, maio 03, 2011

D

Pour lui

Como o deus dos toiros naquela manhã
Assim as coisas aconteciam surpreendentemente.

Amar era fácil como o sumo das nespras
Escorrendo-nos pelos beiços.

Tu dizias Verde e era uma primavera feita de andorinhas,
Rios, flores silvestres e pequenas casas caiadas dispersas nos montes.

Era de manhã muito cedo.
Nos lençóis de ontem os meus dedos encontravam caminhos
Pelos teus cabelos
Cavalos que de súbito surgissem em geografia desconhecida.

O mar muitas vezes, quase todas.
Depois as tardes de passeio e os gelados lambidos sofregamente
À beira-Tejo ou beira-cidade.

A nossa casa na Rua do Alecrim tinha um pateo traseiro de azulejos
Onde Lisboa era uma nova cidade,
Secreta e segura,
Só nossa como os macarrons coloridos que comíamos às cinco da tarde.

Tu eras sempre leve e homem
E isso parecia bastar-me na iminência dos dias sucedidos.
Usavas muitas vezes as calças de linho branco do verão passado
Que eu engomava na tábua colocada sobre as pedras do pateo.

Um lugar onde havia sol e mais tarde luz
E também flores e árvores pequeninas.

O teu corpo sentava-se muitas vezes naquela cadeira de vime que tínhamos
Largada na varanda que dava para dentro.
Era comum leres. Eram tardes inteiras de poesia.
Lias sempre alto, como ainda hoje lês,
Porque era primavera e o inverno havia passado
Ao que nos pareciam muitos meses
Como se tivessem acontecido vários anos sem inverno,
Mas apenas de primavera.

Se nos esticássemos nos varandins fronteiros conseguíamos olhar o rio.
O teu corpo enroscava-se muitas vezes no ferro forjado e frio dos varandins
E suportavas o teu peso com os abdominais tesos e duros.
Ríamos muito nessas tardes
Porque tu encontravas sempre particularidades engraçadas nos barcos que
Víamos passar ao fundo.

Hoje ainda somos felizes, mesmo quando o Inverno parece durar há mais de dez estações,
Porque de manhã o nosso pateo tem sol
E quando acordas muito cedo eu escorrego os meus dedos pelos teus cabelos
Cavalos em encontradas geografias.

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