Para Luísa Vaz Ferreira
Às vezes, quando passo por Lisboa, sinto-te a falta. São algumas intimidades para as quais urge nunca inventar palavras. O tempo é demasiado longo nas eternas viagens suburbanas e no espaço perdido entre a cidade e as coisas pensamos em tudo, mas mais na saudade. Lisboa agora sem fado, sem Tejo, sem cais. Onde andas?
quinta-feira, maio 26, 2011
segunda-feira, maio 23, 2011
Fragmentum Gustaui
Aquela cadeira tinha sido restaurada pela tia Bé. Era uma cadeira velha e de vime onde Gustavo gostava de sentar-se quando, era ainda miúdo, passava tardes no terraço da casa das Azinhagas do Mar a ver as ondas lamberem a encosta. Na altura da mudança do Artur a tia Bé tinha-a restaurado e oferecido ao casal. Gustavo soubera logo que ia ficar na marquise de ferro azul. Era uma pequena marquise de muitos vidros pequenos e quadrados e de ferro forjado azul que ligava por fora o escritório e a sala. Era ali, que nos crepúsculos já quentes de Maio Gustavo se sentava a ler. Tinha sempre ânsias de coisas bucólicas, como as saudades de um campo onde nunca tivesse tido uma infância. Como se o pateo ajardinado em baixo o fizesse pensar em montanhas e cozinhas impregnadas do cheiro axaropado das compotas em líquido ainda quente. Isto dava-lhe paz e deixava-o calmo. Pousava na mesa ao lado uma grande caneca com uma infusão de menta e hortelã. Esperava que arrefecesse e depois tragava em grandes goles até ao fundo. Lia à espera do efeito que chegava sempre: uma camada gentil e ligeira de suor refrescava todo o corpo. Depois, gostava ainda de abrir a palma da mão e espalmá-la contra as paredes curtas e férreas da marquise- o ferro eternamente frio em todos os seus cinco dedos. Eram tardes sem Lisboa e sem pessoas como se o mundo acontecesse num dos seus livros bucólicos de belas capas velhas de alfarrabista.
terça-feira, maio 03, 2011
D
Pour lui
Como o deus dos toiros naquela manhã
Assim as coisas aconteciam surpreendentemente.
Amar era fácil como o sumo das nespras
Escorrendo-nos pelos beiços.
Tu dizias Verde e era uma primavera feita de andorinhas,
Rios, flores silvestres e pequenas casas caiadas dispersas nos montes.
Era de manhã muito cedo.
Nos lençóis de ontem os meus dedos encontravam caminhos
Pelos teus cabelos
Cavalos que de súbito surgissem em geografia desconhecida.
O mar muitas vezes, quase todas.
Depois as tardes de passeio e os gelados lambidos sofregamente
À beira-Tejo ou beira-cidade.
A nossa casa na Rua do Alecrim tinha um pateo traseiro de azulejos
Onde Lisboa era uma nova cidade,
Secreta e segura,
Só nossa como os macarrons coloridos que comíamos às cinco da tarde.
Tu eras sempre leve e homem
E isso parecia bastar-me na iminência dos dias sucedidos.
Usavas muitas vezes as calças de linho branco do verão passado
Que eu engomava na tábua colocada sobre as pedras do pateo.
Um lugar onde havia sol e mais tarde luz
E também flores e árvores pequeninas.
O teu corpo sentava-se muitas vezes naquela cadeira de vime que tínhamos
Largada na varanda que dava para dentro.
Era comum leres. Eram tardes inteiras de poesia.
Lias sempre alto, como ainda hoje lês,
Porque era primavera e o inverno havia passado
Ao que nos pareciam muitos meses
Como se tivessem acontecido vários anos sem inverno,
Mas apenas de primavera.
Se nos esticássemos nos varandins fronteiros conseguíamos olhar o rio.
O teu corpo enroscava-se muitas vezes no ferro forjado e frio dos varandins
E suportavas o teu peso com os abdominais tesos e duros.
Ríamos muito nessas tardes
Porque tu encontravas sempre particularidades engraçadas nos barcos que
Víamos passar ao fundo.
Hoje ainda somos felizes, mesmo quando o Inverno parece durar há mais de dez estações,
Porque de manhã o nosso pateo tem sol
E quando acordas muito cedo eu escorrego os meus dedos pelos teus cabelos
Cavalos em encontradas geografias.
Como o deus dos toiros naquela manhã
Assim as coisas aconteciam surpreendentemente.
Amar era fácil como o sumo das nespras
Escorrendo-nos pelos beiços.
Tu dizias Verde e era uma primavera feita de andorinhas,
Rios, flores silvestres e pequenas casas caiadas dispersas nos montes.
Era de manhã muito cedo.
Nos lençóis de ontem os meus dedos encontravam caminhos
Pelos teus cabelos
Cavalos que de súbito surgissem em geografia desconhecida.
O mar muitas vezes, quase todas.
Depois as tardes de passeio e os gelados lambidos sofregamente
À beira-Tejo ou beira-cidade.
A nossa casa na Rua do Alecrim tinha um pateo traseiro de azulejos
Onde Lisboa era uma nova cidade,
Secreta e segura,
Só nossa como os macarrons coloridos que comíamos às cinco da tarde.
Tu eras sempre leve e homem
E isso parecia bastar-me na iminência dos dias sucedidos.
Usavas muitas vezes as calças de linho branco do verão passado
Que eu engomava na tábua colocada sobre as pedras do pateo.
Um lugar onde havia sol e mais tarde luz
E também flores e árvores pequeninas.
O teu corpo sentava-se muitas vezes naquela cadeira de vime que tínhamos
Largada na varanda que dava para dentro.
Era comum leres. Eram tardes inteiras de poesia.
Lias sempre alto, como ainda hoje lês,
Porque era primavera e o inverno havia passado
Ao que nos pareciam muitos meses
Como se tivessem acontecido vários anos sem inverno,
Mas apenas de primavera.
Se nos esticássemos nos varandins fronteiros conseguíamos olhar o rio.
O teu corpo enroscava-se muitas vezes no ferro forjado e frio dos varandins
E suportavas o teu peso com os abdominais tesos e duros.
Ríamos muito nessas tardes
Porque tu encontravas sempre particularidades engraçadas nos barcos que
Víamos passar ao fundo.
Hoje ainda somos felizes, mesmo quando o Inverno parece durar há mais de dez estações,
Porque de manhã o nosso pateo tem sol
E quando acordas muito cedo eu escorrego os meus dedos pelos teus cabelos
Cavalos em encontradas geografias.
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