domingo, janeiro 15, 2006

Choro de meus amigos perdidos

Choro meus amigos perdidos. Das lágrimas com que os choro eu me renasço.

O tempo passou a vida depressa enquanto eu, por um bocado, fechei os olhos. Muitas vezes o encarnado rodou a terra, tantas quantas o ocre mudou de cheiro. O grande pássaro umbi-umbi rumou para longe levando nas costas de suas asas a grande serpente da memória estendida. Ela, a serpente, devorou meus amigos perdidos enquanto os instantes me fabricavam sonhos bons de sonhar enquanto por instantes fechei os olhos. Ela, a serpente, precisa sempre de mais gente para botar seus ovos e continuar o ciclo da vida de seus olhos fundos. O nome de meus amigos perdidos foi parido nos cestos de adivinhação e sussurrado nas cabaças de todas as sanzalas. Por isso, ela, a serpente, os devorou.
Agora viro minhas costas ao norte porque o mar me chama para sul. Fugir com as aves. Ouço na sabedoria das letras escritas pelos mais-velhos o chamado do grande muatiânvua e corro a abraçar as Lundas para encher meu nariz de terra.

O muatiânvua pintará meu rosto de ocre e cerrará meu corpo de fogo. Fará meu gosto de sal e minha boca de trigo. Meus ouvidos serão de música para ouvir. Muatiânvua me forjará então de novo.

Dizem que ela, a serpente, não aguenta mais com o peso do seu fardo-memória. Cada ovo que ela bota e cada filho que de lá nasce carrega consigo um pouco dessa dor. Assim, é que na terra de quem tem boca se aprendeu a dizer saudade. Talvez meus amigos renasçam de seus ovos.

Enquanto,
Choro meus amigos perdidos. Das lágrimas com que os choro eu me renasço.

4 comentários:

Anónimo disse...

"o tempo","a terra",a"serpente da memória",o"ciclo da vida",as origens do "norte"e o destino do"sul",a"sabedoria","o fogo","de novo","renasçam"......n vou completar o raciocínio meu querido,sei q se tal fizesse conseqüentemente chamar-me-ia louca,obstinada,"oriental"....para além do mais gosto sp de olhar uma manta de retalhos, um puzzle incompleto,imaginar a última peça,e acreditar q ela de facto existe!!um beijo mt gd

colher de chá disse...

tudo isso.. enquanto lisboa namora o tejo.

Filipe Gouveia de Freitas disse...

Minhas queridas, obrigado pelos comentários. Ishtar, todos adoptamos um ponto de vista na vida. Fosse como fosse diria sempre que és não oriental, mas sim orientalizante.

Anónimo disse...

Este poema, canção faz me lembrar uma grande apresentação sobre Hefesto e Afrodite, mas cá para nós, temos as nossas figuras mitológicas in persona na faculté! lol
Grande Abraço