para a avó
Depois que morreu, desfizeram-lhe o quarto.
Mudaram a colcha (agora guardada num baú do quarto de arrumos) e
Fizeram a cama de lavado.
Um a um, despregaram da parede os quadros dos santos à cabeceira.
Levaram para outras prateleiras, umas longe da casa,
As hagiografias da pequena estante de vimes ao canto.
Abriram os armários.
Primeiro chamaram as filhas, depois as noras, depois as netas, por fim as criadas.
Dividiram a sua roupa e deram o que cresceu aos pobres.
Empilharam as caixas que estavam no toucador, agora esvaziadas,
E como tinha dito, cada mulher do seu sangue recebeu uma jóia.
Com gravidade mandaram a escrivaninha para a casa de restauro
Prometendo mantê-la como peça de família,
Herança de disputa entre aqueles que a quisessem.
Até a velha cadeira de vimes junto à janela, onde antes fazia costura,
Está agora no jardim para que, sentados, a possamos lembrar em dias de sol.
Os homens da casa instalaram depois o escadote de ferro
E fizeram descer as cortinas azuis de folhos brancos.
Limparam-se as gavetas, distribuíram-se os terços, mudou-se a cómoda alta
E eu fiquei com o crucifixo do antigo oratório que tinha vindo em panos de linho
Pelas mãos da avó Maria Augusta.
Abrimos as cartas que eram para ler. E lemos. Ficámos muitas horas deitados
Na cama velha lendo uns aos outros pequenos bocados que nos
Apanhavam a atenção.
Houve silêncio.
A casa era este retrato físico de ausência.
Era uma coisa indizível em todas as gargantas.
Chorámos e mandámos dizer missa em igrejas da cidade.
Continuámos a amar.
Depois fomos felizes.
1 comentário:
Oh, I., fiquei emocionada ao ler isto. Adorava a L., a minha "madrinha segunda". Obrigada por me fazeres recordá-la assim, com a pureza e a luz destas palavras limpas, despojadas.
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