sábado, dezembro 10, 2011

Natal

Pequena medida certa para todas as coisas.

Sítio da casa. Um jardim de
Pequenos seixos. As mãos enrolando
Arduamente
Os dedos,
as peças,
o jogo,
as palavras.

Era aquela morte lenta e súbita
Do espanto com que entendíamos
Os dias.

Foi Outono,
depois houve tarde.

Tu sentavas-te no balcão
E bebias chá de jasmim com pó de canela.

Lá dentro era um segredo.
A casa ordenava uma a uma
As coisas ordinárias e quotidianas.

Houve esta tarde de comboios
Rápidos e ultra-sons.
Houve esta tarde de risos,
licor,
amigos,
compotas.

As panelas eram mexidas
Em intervalos exactos
De 2 horas,

Uma calda doce escorrendo
Com a eternidade do mundo
Pela colher de pau.

Às vezes abríamos a janela
E o frio entrava.
Gostavas de deixar as bochechas congelarem
Equilibrando-te com os pés em bico no
Degrau da varanda.

Vivíamos na cozinha.

Debaixo da pedra preta da chaminé
Tinhamos feito instalar o fogão
Como numa sala de trono.
Vivíamos para aquele espaço,
naquele espaço,
durante este espaço.

Os amigos chegavam.
Com que habilidade pares de mãos
Se juntavam para colocar os talheres
Numa ordem premeditada
Muito tempo antes nos palácios
D'el-rey de França.

Bebíamos por copos de cristal
E por isso éramos inevitavelmente chiques,
elegantes,
alegres,
sofisticados.
Dizias: - Somos nós que temos
O monopólio do bom gosto.

Mexíamos pequenas peças nos tabuleiros
Preparados de ante-mão.
Passávamos o tempo,
além do tempo,
sem contar o tempo.
Uma jogada calculada na exactidão
Das suas consequências.

Também fizeram a árvore de Natal,
Decorada das coisas que havíamos comprado
Em Paris, no outro inverno.
Foi naquele dia em que corremos as ruas
De Vaugirard
Entre os mercados de peixe com ostras sobre o gelo
Buscando perfeitos enfeites de vidro.

A cidade profundamente fria.
E os centros comerciais cantando
Músicas americanas do Natal.
O Natal nasceu afinal nos Estados Unidos
Nas fábricas da Coca-cola.

Nós bebemos chocolate quente
Nos cafés de Lisboa
Que servem brunch ao fim de semana.
Porque somos urbanos, internacionais
E porque fingimos ver nas Amoreiras
O Empire State Building.

Voltamos a casa
E despejamos no cabide da entrada
Um exército de casacos,
lãs,
cachecóis.
pull-overs.

Enquanto,
Amontoas pedaços de lenha
Com que enches a lareira
Agora crepitante,
Os pés enrolados nos meus,
Os pratos na mesa com restos de bacalhau
E agora adormecemos juntos
Antes que o Menino Jesus traga
Os nossos presentes.


1 comentário:

Tatiana Faia disse...

Muito bonito.