sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Excertos- I

Foram os melhores dias da vida de Tancredi e de Angelica, vidas que viriam depois a ser tão diversas, tão pecaminosas sobre o inevitável fundo de dor. Nessa altura porém não o sabiam e ambicionavam um futuro que julgavam mais concreto, embora depois se revelasse feito apenas de fumo e vento. Quando já eram velhos e inultilmente sábios, os seus pensamentos regressavam a esses dias do desejo sempre presente porque sempre vencido, dos inúmeros leitos que se tinham oferecido e que tinham sido recusados, do frenesim sensual que, refreado, se sublimara, por um instante, em renúncia, ou seja, em verdadeiro amor. Esses dias foram a preparação para o casamento que, mesmo no plano erótico, foi um fracasso; uma preparação, porém, que assumiu o aspecto de algo independente, delicado e breve: como aquelas aberturas que sobrevivem às óperas esquecidas e que contêm em esboço e cheias de uma vitalidade velada de pudor, todas as árias que sem qualquer destreza eram depois desenvolvidas na ópera, e fracassavam.

In "O Leopardo"


Quanto a mim, foi como se não tivesse lá estado, ou muito pouco... Na obscuridade da capela, iluminada apenas pelos dois cilícios do altar, naão vi a quem dava a mão. O bom Henri de Montchevreuil, que me servia de testemunha, disse-me qualquer coisa, mas não percebi o quê. Não ouvi o rei responder às perguntas do arcebispo, não me ouvi a mim própria consentir na minha elevação. Só recuperei a consciência de mim mesma por volta do Agnus Dei para reflectir que estava a ser tão glorificada neste mundo que tinha motivos para recear ser humilhada e confundida no outro; e recaí no meu estupor até ao último evangelho, quando subitamente disse a mim mesma que não poderia subir mais alto.
Comecei, então, a temer o tédio.

In "A Alameda do Rei"

Sem comentários: