quinta-feira, janeiro 15, 2009

Gustavo- Corte (I)

A Tia Bé tinha uma casa nas Azenhas do Mar. Era branca e breve. Não tinha telhado, mas terraço e a todo o comprimento uma grande varanda estendia-se sobre o mar. Não havia nada de extraordinário nesta casa. A Tia Bé era uma mulher que tinha dinheiro suficiente para pagar somas exurbitantes para viver numa pequena casa branca numa colina frente ao mar. Não havia nada de romântico nisto, só de económico. O dinheiro da Tia Bé era a fonte que alimentava a beleza da sua casa.

Gustavo nunca pensou isto da casa da Tia Bé. Era para ele um espaço ideal onde cada coisa era guardada num sítio exacto de ser. As ânforas milimetricamente colocadas por uma questão de estilo eram para ele uma essência dum mundo onde ele ansiava por chegar, duma forma una e real de existir.

Mal chegou Gustavo enfiou-se na varanda. Podia ter ficado a contemplar o mar, mas sentou-se, dobrou os joelhos e meteu a cabeça no meio deles. O barulho do mar era forte e o seu cheiro era intenso. Deve ter ficado assim muito tempo porque de súbito sentiu escuro à sua volta e é sabido que no Verão o escuro demora muito a chegar e quase nunca existe verdadeiramente. Além do cheiro do mar havia um cheiro intenso a orégãos. A casa da Tia Bé cheirava sempre a orégãos porque era feita para cheirar sempre a orégão. Era um cheiro mágico de acalmar as mágoas e de despertar a fome.

O mar batia mais forte sobre a areia lá fora, agora que era noite. Como nascendo dum estado fetal Gustavo foi-se levantando. Erguido, aproximou-se da varanda, olhou o mar de frente, fechou os olhos e encheu os pulmões de maresia. Há um tempo breve a porta tinha-se aberto e a Tia Bé tinha-se esgueirado por ela. Pôs-se de pé, sempre muito direita e deixando os olhos no horizonte perguntou-lhe:

- Até onde é que consegues ver?

- Até dentro de mim. Ou é assim que pelo menos tudo isto me parece.

2 comentários:

Unknown disse...

Simplesmente otimo.

AS disse...

Simplesmente otimo.