sexta-feira, janeiro 30, 2009

Berlim- Impressões II

Entre as avenidas largas gosto de olhar as pessoas. Berlim entre os anos noventa e o estilo alternativo. As bicicletas passam por estradas de pedra vermelha em cima dos passeios. Ninguém sorri, mas três portugueses falam sempre muito alto onde quer que estejam. Nas lojas o hábito latino faz-nos mexer em tudo. "Olha, não achas giro?" e os olhares da caixa registadora meio desconfiados. O preto é quase imperante na rua, seja nas roupas, seja nos grandes outdoors que aqui e ali vestem os prédios altos da cidade. É uma cidade de contrastes entre a riqueza dos edifícios capitalistas e a dureza magnânima dos edifícios da RDA. Na parte boémia onde vivemos, os jovens andam em grupo e abraçam-se muito. A vitória do capital sente-se muito aqui. Entre pequenas lojas de colares e bugigangas e mercearias de cantinho há por todo o lado aliciantes fast-food's. Chineses, japoneses, vietnamitas, tantos turcos e claro os normais americanos. Oásis são as pastelarias alemãs e os seus muitos bolos de aspecto e sabor maravilhoso. Custa não comer quase tanto como custa fazê-lo. No país mais caro da Europa os preços sobem. Mas é irressistível com tantos belos convites. Nos nossos sacos comprados a vinte cêntimos descemos a rua até uma mercearia aqui perto. Os olhos bem fechados para não cair em tentação. Na casa branca, breve e quente o pão com gouda lembra de alguma maneira o pequeno-almoço em Portugal. Lá fora Berlim em stand-by só durante um momento.

Berlim- Impressões I

Numa praça de Berlim, com frio pelas pernas, o rio ao fundo sob pequenas pontes. O mundo cosmopolita atravessado por uma linha velha e ténue onde o comunismo existe em pequenos homens nos semáforos. Alguém passa com um chocolate quente na mão. A vida pelas montras das lojas. A vida das avenidas largas e das gentes apressadas em bicicletas e metros de rua. Berlim dos homens vestidos de preto e dos grandes outdoors. A cidade cosmopolita e intensa sob o frio imenso quase que gela.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Noite

Nada sei de estórias de reis que te conte

E de embalar sei a vida que me passa

E não me deixa nunca, nunca...

Os mares além da Grécia

Diz-me de sonhos breves

Assim, na minha mão

Casa e corpo e pão

E canto leve

Onde te cante dias de encanto e espanto

Sonho ainda breve

E trémulo e meu

Ondas de um mar Egeu

Sem fim, mas com pranto.

De um mar de azul e ondas

De azul e ondas
Como primeiro

É dia sem riscas

Meu quarto de sala de alma
De forno quente de coisa alguma

Registo marujo e espuma
Como num mar encarniçado

De azul e de ondas.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Gustavo- Corte (I)

A Tia Bé tinha uma casa nas Azenhas do Mar. Era branca e breve. Não tinha telhado, mas terraço e a todo o comprimento uma grande varanda estendia-se sobre o mar. Não havia nada de extraordinário nesta casa. A Tia Bé era uma mulher que tinha dinheiro suficiente para pagar somas exurbitantes para viver numa pequena casa branca numa colina frente ao mar. Não havia nada de romântico nisto, só de económico. O dinheiro da Tia Bé era a fonte que alimentava a beleza da sua casa.

Gustavo nunca pensou isto da casa da Tia Bé. Era para ele um espaço ideal onde cada coisa era guardada num sítio exacto de ser. As ânforas milimetricamente colocadas por uma questão de estilo eram para ele uma essência dum mundo onde ele ansiava por chegar, duma forma una e real de existir.

Mal chegou Gustavo enfiou-se na varanda. Podia ter ficado a contemplar o mar, mas sentou-se, dobrou os joelhos e meteu a cabeça no meio deles. O barulho do mar era forte e o seu cheiro era intenso. Deve ter ficado assim muito tempo porque de súbito sentiu escuro à sua volta e é sabido que no Verão o escuro demora muito a chegar e quase nunca existe verdadeiramente. Além do cheiro do mar havia um cheiro intenso a orégãos. A casa da Tia Bé cheirava sempre a orégãos porque era feita para cheirar sempre a orégão. Era um cheiro mágico de acalmar as mágoas e de despertar a fome.

O mar batia mais forte sobre a areia lá fora, agora que era noite. Como nascendo dum estado fetal Gustavo foi-se levantando. Erguido, aproximou-se da varanda, olhou o mar de frente, fechou os olhos e encheu os pulmões de maresia. Há um tempo breve a porta tinha-se aberto e a Tia Bé tinha-se esgueirado por ela. Pôs-se de pé, sempre muito direita e deixando os olhos no horizonte perguntou-lhe:

- Até onde é que consegues ver?

- Até dentro de mim. Ou é assim que pelo menos tudo isto me parece.