quinta-feira, julho 03, 2008

Só para não dizerem que não falei de flores

Se partirmos da premissa base que fazer ciência começa pelo acto quase reflexo do ser humano em questionar-se, então teremos que admitir que o paradigma pós-processualista que a História experimenta transforma o árduo trabalho do historiador numa tarefa, à primeira vista, mais que hercúlea. Acrescido esforço quando falamos de historiadores da Antiguidade Clássica que trabalham com documentação de origem constantemente duvidosa e que lançam as suas propostas sobre mais de dois milénios de preconceitos que chegam e afectam os mesmos historiadores. Qual a possibilidade então de se fazer ciência e logo conhecimento? Essa de acreditar que os dados de que o historiador dispõe não são apenas peças dum quebra-cabeças lúdico, mas de pouca utilidade, e sim instrumento da construção dum vocabulário de entendimento. Se nos servirmos dos conceitos que a Linguística adapta do já citado paradigma nos oferece então podemos afirmar que as fontes de que o historiador se serve para fazer História são palavras, uma vez que dotadas tanto dum significado como dum significante, ainda que extrapolando o campo da palavra escrita. O historiador é então e ao mesmo tempo decifrador e criador dos significantes daqueles significados que encontra ao longo da sua investigação. É a análise destas mesmas palavras e o estabelecer de relações entre elas que permite a criação dum vocabulário, isto é, a criação de um sistema complexo que nos permita a compreensão de determinado facto através da interrelação das múltiplas realidades que as fontes provam ser e das hipóteses que o historiador levanta faça à sua questão principal quando as lê em conjunto. Na sequência do que se disse esta compreensão não se apresenta como verdade última ou sequer como verdade em si, mas mais como hipótese de uma situação senão possível, ao menos verificável. A História não se constrói assim por verificação e comprovação, mas por aproximação e sugestão, isto é, perante a impossibilidade dum conhecimento pleno e absoluto daquilo que foi é função do historiador criar quadros de uma realidade, como se disse atrás, se não possível ao menos verosímil que permitam tanto à comunidade académica e científica como ao público em geral perceber não exactamente o que foi, mas o que poderá ter sido.

2 comentários:

Adomnán disse...

A meu entender, o pós-modernismo coloca-nos frente a frente a uma terrível evidência: todo o conhecimento construído, mormente no caso das chamadas Humanidades, é a realidade de quem o constrói e nunca a realidade em si. Mas o que é essa realidade em si? Passada, presente ou futura, o que é ela? Existe? Há um absoluto? Ou só um todo feito de um número infinito de relativos possíveis? De que serve então o nosso esforço científico? Se nem de nós mesmos somos capazes de uma aproximação satisfatória...

André disse...

Nas ditas ciências naturais (e podem pôr a física cá dentro também) também não há a tal verificação e validação. Isto já vem de longe, já Karl Popper dizia, uma teoria não será nunca validada, mas antes corroborada, sendo que tem de ser constantemente sujeita a processos de refutação.
Neste sentido, a única e verdadeira ciência é a matemática, pura abstracção, uma construção perfeita e note-se que sendo perfeita é incompleta. Foi o que nos explicou Kurt Godel, talvez o maior matemático e filósofo do século passado.