domingo, outubro 29, 2006

Sensualidade

Há uma delicadeza imensa na maneira como ela se debruça. Ao mesmo tempo um misto de tristeza e absoluta segurança numa feminilidade que lhe sai da pele e nos intoxica como um veneno doce. O corpo caído numa exactidão medida, o busto revelado ao de leve, como se fora num filme a preto e branco. E é como se ela se mantivesse alheia a tudo enquanto canta e tudo acontecesse por mero acaso.

A bossa nova leva-a levemente, o corpo gigando, de mansinho, tudo é etéreo enquanto ela derrama as suas músicas numa sonoridade macia como só as brasileiras conseguem.

"Eu faço samba e amor até mais tarde/ E tenho muito sono de manhã". Tudo nela é simples como as palavras da música e nenhum indicador lhe pode medir a intensidade. Ela quase não anda, mas também não flutua. É uma coisa só dela, um andar de gato sobre as flores.

Agora ela tem o corpo derramado numa varanda do Príncipe Real. A cidade daqueles que não vivem morre devagar. É a hora. Mas nos olhos verdes não há expressão nenhuma. Glória onírica de uma existência perfeita longe das sensações.

Afinal, ela existe para fazer os outros sentir, sem que ela mesma sinta nada.

1 comentário:

André disse...

Gostei muito, obrigado.
Adoro bossa nova (a sério), ouve uma altura em que para mim tocar guitarra era tocar bossa nova, o meu professor nem podia comigo. Até porque com as minhas mãozinhas tacanhas aqueles acordes (desafinados) saim-me mesmo desafinados... Tantas vezes ouvi eu que as minhas mãos não davam para bossa nova.