sábado, fevereiro 11, 2006

Quando os poemas vêm em dias nocturnos

Há dias em que escrever é uma dor muito grande. Esses dias, quando são dias, parecem noites. Nascem com hora marcada para acabar. Simplesmente anseio que essa hora chegue mais cedo. Nunca presto tanta atenção ao rodar dos relógios como nesses dias, porque cá dentro é sempre de noite até efectivamente ser dia outra vez. Também há poesia nesses dias nocturnos- é mais magoada. São dias para ler a dedicatória de um namorado no livro velho. São palavras delicadas, curtas como convém, numa tinta de azul claro. Já têm em si uma poesia seca. Se o dia vem delas ou as encontro por ser noite enquanto é dia, não sei. Mas roubam a pouca música das minhas palavras.

Eu gosto de escrever poemas magoados, mas só nestes dias- assim grito mais claro como desejo a manhã.

domingo, fevereiro 05, 2006

Amar-te

Amar-te não é fácil quando te carrego comigo
No cansaço das minhas tardes em longas viagens suburbanas

Quando as geografias das nossas cidades
Das nossas palavras
E dos nossos corpos
São ainda tão diferentes

É difícil amar-te nas manhãs de Sol
Dos Junhos veraneanos
Na profundidade da água
Na inteireza do Verde

Custa amar-te
Quando isso pede que me desligue de mim
Quando o corpo se impulsiona para uma oferta
Sem egoísmos
Quando corremos para a formação de um "nós"

Como é difícil dizer as palavras
Quando as horas nos perpertuam
Em conflitos
Que não nos trazem nada da música nem dos pássaros

Não é fácil amar-te além dos rios
Dos montes
Das passagens
Dos nossos dias
Dos caminhos luminosos
Das flores
Dos peixes

Não é fácil amar-te
Para lá dos sentidos
Dos pensamentos
Para sempre as palavras

Não é fácil

Mas vale a pena!

Onde encontrar a poesia

Uma das coisas que mais me ocupa a cabeça é precisamente onde se encontra a poesia- donde nascem os versos? Sophia de Mello Breyner falava de uma ligação íntima das coisas para a construção do seu habitat pessoal.

Assim, talvez a poesia se ache na construção de um pequeno vocabulário com conceitos bem próprios. Para Sophia falamos claramente do branco, da casa, do mar, do pátio e da Hélade. Eu prefiro outras coisas, buscar a poesia noutras palavras.

Hoje por exemplo encontrei-a num grande tacho com cogumelos frescos lá dentro. Para mim há poesia que chegue num tacho de cogumelos frescos e na sua cozinha.

Há também pequenos momentos poéticos nos nossos dias: quando uma luz desvulgariza a árvore que está sempre no nosso caminho, numa janela de Alfama, na maneira como o vento mexe nos casacos e nos cabelos. Há poesia nos cavalos e nos ramos dos chorões.

Tudo o que mexe ou que fazem mexer é poesia. Talvez eu procure os meus conceitos em pequenas coisas que por breves momentos se transformam dando-nos uma alegria diferente.

Talvez procure palavras como água, rio, árvores e sobretudo Verde- a minha poesia é decididamente Verde.

É em busca do Verde que vou agora- para mais palavras, para mais poesias.