terça-feira, janeiro 25, 2011

Antinoos ou Crónica do Homem e da Imagem num espelho

Passeávamos os dois de barco
Rio acima
Ele inclinava-se muito junto das bordas
E depois ria humanamente
E isso era triste.

Batia as mãos como os meninos
Que jogam o jogo das pedrinhas
E se o barco o permitisse
Teria dado saltos e pulos
De algum espanto.

Depois vi o escravo levantar-se,
Vi a mão do escravo aberta
Em suas costas.

Depois eu não me levantei,
Eu nunca me levantei.

Também gritou quando caiu
Ao rio.
Um grito seco, sem espanto,
Já morto, ou quem dera quase.

Então o escravo estendeu-me com a mesma mão
A cera e o cálamo.

Agora o teu corpo
Afundava-se muito.
Era como se fizesses um jogo novo e propositado-
Para que eu te escrevesse.

Não deixei que ninguém te tirasse da água-
Devias morrer.

Tão fundo, depois cada vez mais fundo
Que agora já só espreitavas e
Os teus caracóis ficaram desfeitos na água do rio.

Foi assim a última vez que olhei os teus olhos
E teria sido a última vez a tocar a tua pele
Tivesse eu esticado a minha mão para te erguer.

Salvei-te-
Todos sabem.
Só tu não acreditas.

Odeias-me no fundo do lago,
Mas isso é um segredo só teu
Com o qual eu posso viver.

Todos te amam depois desse dia
E eu cada vez mais,
Eu amo-te cada vez mais
Agora que humanamente
Não existes.

Eis o deus que morreu
Para buscar ser imortal
E a quem eu proibi qualquer ressureição.

No fundo do lago odeias-me,
Mas és só tu.

Por te matar e
Ao mesmo tempo
Entregar-te a vida eterna
Todos me amam
E só tu me custaste.

Tarde

Mariana junto às ondas
Naquela tarde de praia.

Não soube das gaivotas
Até que o vermelho
Dos pimentos que assávamos
Escorreu como sangue
No pateo da ilha.

Auto-retrato

Amavo o desenho da escrita.

Em cada letra,
Aguarela deste auto-retrato.

Pássaros

Os pássaros do meu bloco de notas
Mudam de voo cada vez
Que viro a folha.