terça-feira, dezembro 21, 2010
Tríptico
Renata ficou espantada. Não se tratava dum questão de gestos, até porque restava quase imóvel. A imagem que o espelho lhe devolvia era uma incógnita aliciante. No quarto pequeno da Calçada de Santana continuava nua frente ao reflexo espremida entre a cama e o espelho. O que era, não sabia.
*
Aquilo provava-lhe que, apesar de tudo, era um homem e mais que isso um homem da sua família. No quarto da avó Laura, decorado com cortinas azul-claro e com folhos brancos, a telefonia, parada na Rádio Renascença, deitava as orações de Avé-Marias e Padre-Nossos que eles depois repetiam. Primeiro ele, em voz clara e grossa, depois as duas velhas num discurso mais sumido e disconexo. Aquelas mulheres já tão velhas, naquele quarto que era quase um oratório, e era ele que liderava as orações, porque ele era um homem da família.
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Teresa adorava a sala cor de rosa. A primeira coisa que fazia era esfregar-se no tecido fino da senhorinha mais encostada à porta. Ficava ali sentada muito tempo admirando os retratos da avó Filomena e do avô Vasco. Os retratos caiam da parede, ligeiramente inclinados como antes se usou. Sem nunca ter aprendido, levantava depois a tampa pesada e preta do piano e passava os dedos pelas teclas cada vez mais desafinadas. Depois seguia as filas decoradas de parentes mortos nas fotografias a preto e branco. Fechava os olhos e sonhava com vidas que nunca viria a ter.
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