Na linha precisa em que o mar encontra o meu corpo
As ondas dizem palavras que me amansam o mundo.
terça-feira, outubro 31, 2006
domingo, outubro 29, 2006
Sensualidade
Há uma delicadeza imensa na maneira como ela se debruça. Ao mesmo tempo um misto de tristeza e absoluta segurança numa feminilidade que lhe sai da pele e nos intoxica como um veneno doce. O corpo caído numa exactidão medida, o busto revelado ao de leve, como se fora num filme a preto e branco. E é como se ela se mantivesse alheia a tudo enquanto canta e tudo acontecesse por mero acaso.
A bossa nova leva-a levemente, o corpo gigando, de mansinho, tudo é etéreo enquanto ela derrama as suas músicas numa sonoridade macia como só as brasileiras conseguem.
"Eu faço samba e amor até mais tarde/ E tenho muito sono de manhã". Tudo nela é simples como as palavras da música e nenhum indicador lhe pode medir a intensidade. Ela quase não anda, mas também não flutua. É uma coisa só dela, um andar de gato sobre as flores.
Agora ela tem o corpo derramado numa varanda do Príncipe Real. A cidade daqueles que não vivem morre devagar. É a hora. Mas nos olhos verdes não há expressão nenhuma. Glória onírica de uma existência perfeita longe das sensações.
Afinal, ela existe para fazer os outros sentir, sem que ela mesma sinta nada.
A bossa nova leva-a levemente, o corpo gigando, de mansinho, tudo é etéreo enquanto ela derrama as suas músicas numa sonoridade macia como só as brasileiras conseguem.
"Eu faço samba e amor até mais tarde/ E tenho muito sono de manhã". Tudo nela é simples como as palavras da música e nenhum indicador lhe pode medir a intensidade. Ela quase não anda, mas também não flutua. É uma coisa só dela, um andar de gato sobre as flores.
Agora ela tem o corpo derramado numa varanda do Príncipe Real. A cidade daqueles que não vivem morre devagar. É a hora. Mas nos olhos verdes não há expressão nenhuma. Glória onírica de uma existência perfeita longe das sensações.
Afinal, ela existe para fazer os outros sentir, sem que ela mesma sinta nada.
sábado, outubro 14, 2006
Nós- o meu corpo e tu
Para o Pedro, que me ensinou a linguagem dos gestos. Para o Ricardo que nos vai ensinando a ser simples.
Agora tu estás deitado ao meu lado depois das minhas mãos te terem arrancado algo a que tu chamas prazer. Mas eu não estou lá, só o meu corpo. Agora eu estou junto à janela, o meu corpo adormecido ao teu lado. Não penses que eu não oiço a tua respiração curta, meio a medo. Eu sei que neste momento muitas palavras morrem na tua boca, asfixiadas pela minha incapacidade de levantar os braços para ti depois daquele instante. Eu sei que as coisas entre nós são sempre imcompletas: não que tu o digas, afinal tu nunca te queixas, mas o teu corpo, os teus olhos e mais que tudo o teu beijo contam-me da tua insatisfação.
Enquanto o meu corpo dorme ao teu lado eu vejo os contornos da vida que existe para lá da janela. É um espaço em que não é noite nem dia. Daqui vêem-se apenas as essências das coisas. E há pessoas tão felizes a viver para lá da janela do nosso quarto. Mas eu não te sei fazer feliz porque estou parado à janela quando devia estar a dormir ao teu lado e não apenas o meu corpo.
De manhã quando eu me levantar com o meu corpo tu ainda vais estar a dormir e a única coisa que peço é que te lembres de mim quando eu já estiver algures na Estrela. Aqui eu já sou um com o meu corpo, aqui no meio da vida apressada das pessoas que não conheço, das pessoas que não me pedem palavras. Entre esta gente que leva uma vida vulgar e tão desinteressante eu sinto-me vivo outra vez, como naquele instante, e então o jardim da Estrela já faz algum sentido e perder-me entre os papéis do escritório é sempre uma aventura. Porque eu gosto da minha vida como ela é, eu gosto da simplicidade banal dos dias em que ela corre. A mim basta-me saber o conforto do nosso apartamento na Lapa e da elegância da minha família e pouco mais. Quando o dia em que vais entender que eu não entendo os meandros de Herberto Hélder ou porque raio do gostas tanto das peças do Brecht? E as palavras, sempre as palavras, mais e mais palavras. É como se o teu pedido urgente de palavras me sufocasse constantemente. Porque eu não sei viver das palavras e tu não sabes disso.
Agora tu abres a porta do carro e chegou o fim do meu dia. É tempo para o meu corpo. Enquanto me beijas eu já estou outra vez na janela do nosso quarto, a janela das minhas noites, alheio aos teus jantares e às tuas saídas permitindo que o meu corpo leve a vida por mim eternamente repetida em gestos maquinais que nos vão rasgando por dentro.
Agora tu chegas, o corpo envolvido no meu. Primeiro os beijos, depois a camisa, de súbito as calças. Agora de joelhos, eu dentro da tua boca. O sangue corre mais depressa e eu cada vez mais quente. Observo. "Amo-te". E agora sou eu e tu num momento que eu vá aprendendo a encher de palavras.
Agora tu estás deitado ao meu lado depois das minhas mãos te terem arrancado algo a que tu chamas prazer. Mas eu não estou lá, só o meu corpo. Agora eu estou junto à janela, o meu corpo adormecido ao teu lado. Não penses que eu não oiço a tua respiração curta, meio a medo. Eu sei que neste momento muitas palavras morrem na tua boca, asfixiadas pela minha incapacidade de levantar os braços para ti depois daquele instante. Eu sei que as coisas entre nós são sempre imcompletas: não que tu o digas, afinal tu nunca te queixas, mas o teu corpo, os teus olhos e mais que tudo o teu beijo contam-me da tua insatisfação.
Enquanto o meu corpo dorme ao teu lado eu vejo os contornos da vida que existe para lá da janela. É um espaço em que não é noite nem dia. Daqui vêem-se apenas as essências das coisas. E há pessoas tão felizes a viver para lá da janela do nosso quarto. Mas eu não te sei fazer feliz porque estou parado à janela quando devia estar a dormir ao teu lado e não apenas o meu corpo.
De manhã quando eu me levantar com o meu corpo tu ainda vais estar a dormir e a única coisa que peço é que te lembres de mim quando eu já estiver algures na Estrela. Aqui eu já sou um com o meu corpo, aqui no meio da vida apressada das pessoas que não conheço, das pessoas que não me pedem palavras. Entre esta gente que leva uma vida vulgar e tão desinteressante eu sinto-me vivo outra vez, como naquele instante, e então o jardim da Estrela já faz algum sentido e perder-me entre os papéis do escritório é sempre uma aventura. Porque eu gosto da minha vida como ela é, eu gosto da simplicidade banal dos dias em que ela corre. A mim basta-me saber o conforto do nosso apartamento na Lapa e da elegância da minha família e pouco mais. Quando o dia em que vais entender que eu não entendo os meandros de Herberto Hélder ou porque raio do gostas tanto das peças do Brecht? E as palavras, sempre as palavras, mais e mais palavras. É como se o teu pedido urgente de palavras me sufocasse constantemente. Porque eu não sei viver das palavras e tu não sabes disso.
Agora tu abres a porta do carro e chegou o fim do meu dia. É tempo para o meu corpo. Enquanto me beijas eu já estou outra vez na janela do nosso quarto, a janela das minhas noites, alheio aos teus jantares e às tuas saídas permitindo que o meu corpo leve a vida por mim eternamente repetida em gestos maquinais que nos vão rasgando por dentro.
Agora tu chegas, o corpo envolvido no meu. Primeiro os beijos, depois a camisa, de súbito as calças. Agora de joelhos, eu dentro da tua boca. O sangue corre mais depressa e eu cada vez mais quente. Observo. "Amo-te". E agora sou eu e tu num momento que eu vá aprendendo a encher de palavras.
quinta-feira, outubro 12, 2006
Manhã
Teus olhos, um encanto devagar;
A tua mão sobre a minha de mansinho.
O teu cabelo, a minha pele.
E em nós havia música.
A tua mão sobre a minha de mansinho.
O teu cabelo, a minha pele.
E em nós havia música.
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