quarta-feira, dezembro 09, 2009
Tarde alexandrina ou O Velho Criador da(s) Palavra(s)
Em Alexandria certa tarde encontrei um homem numa esquina. Não representa qualquer dificuldade encontrar um homem numa esquina numa tarde de calor em Alexandria. Descrevê-lo é desnecessário: era um homem velho igual a todos os homens velhos de Alexandria que em si são todos iguais. Não me tivesse falado teria passado por ele na busca duma sombra melhor. Mas falou-me. Adoptava um ar grave quando falava. Tinha uma voz encantadoramente pausada e cada sílaba era dita como um acto religioso. Ainda que não entendesse o que dizia (tinha um árabe demasiado dialético para mim) ouvi-lo era mágico. Cada palavra era todo a possibilidade de ser todas as palavras ao mesmo tempo. A partir de certo momento deixei de tentar descortinar sentidos ou sequer de os imaginar. As palavras diziam-se na sua boca e isso era o bastante para mim. E nos minutos em que o ouvi aquele velho foi Deus para mim, Javé num tempo ancestral criando o Mundo em que a Palavra era em si a Essência.
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