quarta-feira, março 24, 2010

Das coisas ditas, palavras, da Terra

Da terra, pergunta o menino, "que há-de aqui ser?"

Tenha noite quando for noite
E riso em toda a hora boa de rir.
E crianças
Que criança é bom de ver crescer.

Mais água fresca e sombra d'árvore. E canto de alegrar as almas.

Quando o menino perguntar "e aqui que há-de ser?"

Então diz-lhe

"Aqui, como um nome, seja casa."

Do langor

Assim o corpo, assim a calma,
Assim o espanto das coisas.

E casa e pateo branco ondas mar e além.

Assim o dia, assim o sol,
Assim a luz.

Todas as coisas existem na claridade de si mesmas.

Espelho

O poema existe na meta do indizível.

Isto que agora lês
Não é tanto um poema como o reflexo de um poema.

Não sobre ti, mas sobre mim.

Fosse de facto um poema, como nunca poderá ser,
E seria um reflexo sobre as
Coisas.

Do espaço e centro das coisas nomeadas

Aqui o espaço do nome.

De cada coisa s'inventa de dentro
Para fora
Como chamada por

Palavra.

De todas as coisas- omnia nomina.

Círculo certo e arguto, de espaço preciso,
Que busca a criar
Coisas
Espantadas.

domingo, março 14, 2010

Verão

Quando era novo e havia dias de sol, descia sozinho até ao calhau. A vila era o espaço da primeira liberdade. Conhecia as escadas, os caminhos e entrava nas casas que deixavam as portas abertas. Quando chegava ao calhau estendia a toalha. Havia sempre alguém no calhau. Na vila todos se conhecem. O corpo ficava levemente estendido ao sol, salgado de banhos longos e ondas perfuradas. Tudo era tranquilo.

Ainda hoje procuro um estrado onde deitar a toalha e esticar o corpo ao sol no calhau. Olhar o mar que chega até às cidades e deixar-me ser feliz por ainda não lá estar. Hoje já não tenho a minha namoradinha dos sete anos e em muitas das casas as portas fecharam-se porque as pessoas morreram. Mas ainda há portas abertas por onde se pode entrar.

A ilha da Memória jaz eterna na Infância.