Aqui em encontro, eu que sonhei com as estrelas. Que dizer de ti? Desta noite? Das geométricas ruas de Riga onde sem sucesso nos tentávamos perder? Dias que duram até perto da meia noite.
Sentados num bar, olhando as pessoas em volta, falávamos com amigos que não voltaríamos a ver e que conheceramos dois dias antes. Uma boda à beira praia. Tu subias as dunas de pés descalços sem que a dor de pequenas pinhas te parasse os passos. Lembro-me do Báltico, duma caminhada junto às ondas em que me confessavas o teu amor pelas aulas de teatro até teres que fugir para fazer chichi.
Sossegadamente voltámos à casa da floresta, o descanso depois da dança. Quantas horas conversámos deitados numa cama de rende suspensa no alpendre, a tua mão estendida levemente tocando as pedras depois a minha, ambos olhando o jardim que o mau gosto soviético pontuara com pirosos duendes de barro.
Ausente o barulho da cidade, dos carros, da pressa. O tempo havia parado por dois dias para em quarenta e cinco minutos vermos os nossos amigos casarem-se em cima duma prancha colocada sobre um pequeno lago. Distantes os cheiros do Gastro Market e de Old Town antes ou depois dos rios, dependendo de que margem de Riga se chega. O cheiro denso dos morangos mais doces do que em outras europas. Parámos a um balcão onde pediste rosé para que o empregado pergunta-se se os aristocratas estavam de volta.
Aprendi a beber cidras nessa Primavera em Riga sentado em paletes num pateo escondido onde nos levou uma hora a chegar.
Subia os seis andares do velho prédio russo onde apenas um gato pardo me espreitava sempre de variadas janelas até ao último dia em que, talvez buscando despedir-se, escapuliu-se pela primeira fresta de porta que abri.
Descer as ruas rectas da cidade, Orlinski cantando nos meus hedaphones- Alla gente a dio dileta. Com que felicidade vivi os dias eternos de Riga. Noites claras de fim breve. Choveu apenas na penúltima tarde. Uma antevisão de cidade por vir em próximas viagens.
Riga, onde vivemos a mais bela e longa Primavera.
Enquanto Lisboa namora o Tejo...
segunda-feira, junho 24, 2019
sábado, novembro 15, 2014
Depois, o Outono passou
Eventualmente descobrimos que os fins de semana também são bons para dormir, que devemos pedir e guardar recibos e que nem sempre, quando chove o dilúvio em Lisboa, podemos apanhar um táxi pela impossibilidade de o pagar.
Temos que acordar ao sábado, olhar para a pilha de louça na cozinha, pôr alguma coisa a tocar e arregaçar as mangas. As caixas no pátio que estão há mês e meio para serem deitadas fora e que de tanta chuva muito provavelmente qualquer dia dissolvem-se continuam lá, imóveis pela preguiça de quem as devia levar- eu. Depois é arrumar o quarto com tudo o que isso tem- varrer, aspirar, limpar o pó, guardar a roupa, nunca necessariamente por esta ou pela mesma ordem. Abrir o frigorífico, imaginar o que se pode fazer com o que lá há. A ditadura dos congelados farta-nos só para nos rendermos à ditadura dos fritos. Um dia vou sentar-me a ver daqueles blogues com conselhos bons e práticos e rápidos e coloridos e sofisticados para pratos saudáveis, mas não é hoje. Não. Hoje é uma caneca quente de cappucino para começar com o dia e depois ovos mexidos com linguiça e tomate. Sim, ovos mexidos. Porque quero, porque me apetece, porque são meus!
Poder escolher o que fazer e ter tempo, espaço, cabeça e acima de tudo dinheiro para o fazer. Hoje a feira de velharias no jardim da Estela. Amigos, conversas, cacaus quentes. À tarde uma exposição de arte. Agora sem culpas, sem contar à míngua os cêntimos e irremediavelmente ter que fazer o telefonema: "Oh mãe, eu queria mesmo ir, mas não tenho dinheiro". Depois ter que suportar a vergonha dos gritos de que sou um bebé que nunca cresce por saber que depois disso o dinheiro vinha. Não é uma vergonha antecipada, mas atrasada de ter conseguido viver assim, cada vez com menos peso "Ela acaba sempre por dar". O dinheiro sim. Mas não o que ele significa, não o esforço que representa. Não o poder dizer "É meu!" não pelo orgulho de ter, mas pelo orgulho do que foi feito para ter. "Ganharás o pão com o suor do teu rosto!". E é um pão que sabe melhor, Mesmo se molhado em gotas de suor porque é meu e não o pedi a ninguém.
Sou algo entre o proletário e o pequeno burguês que neste país onde escolho ficar se chama classe média, Reclamo das condições do trabalho, para depois admitir que são boas comparadas com o resto que há pr'aí, para trabalhar dias seguidos cronometrados pelo relógio do canto esquerdo do computador à espera que me diga que passaram nove horas e posso voltar para casa. Eventualmente vai acabar por dizer-me que é sexta-feira, mesmo a qualquer outro dia da semana, e que posso ir para casa dois dias descansar.
Para dormir até tarde, para arrumar a casa, para ouvir música durante esse tempo, para me render aos fritos ou aos congelados. Para ler, escrever, sair, passear- fazer o que eu quiser apenas porque me apetece. E poder sonhar, sonhar sempre. Mas agora sonhar com o que pode vir e não com o que já foi. Sonhar em construir e não só em preservar. E acho que a isso, neste país em que escolho ficar e em todos os outros do Ocidente se chama viver.
Esta casa de dois quartos, com um pátio atrás e com uma sala mais pequena que o quarto da mãe no Funchal, é onde os sonhos vêm morrer e as ilusões acabam. Esta casa de dois quartos onde estão as minhas coisas e esta sala que eu arranjei (quase) como quis são minhas e são onde sonho sonhos novos e onde penso como deixá-los permanecer sonhos, mas encontrar para eles um espaço real nisto que eu agora construí para mim e que parece chamar-se Vida.
segunda-feira, abril 21, 2014
Fragilidade
Como esta fragilidade de coisa morta em que
Lentamente algo perde sabor na boca por ser tantas vezes mastigado.
Esta renda tecida de mãos fiando cansadas como uma dia
Que passaras à janela e no fim das horas, em chegando a noite,
Me perguntaras- "Porquê?", e eu ficara calado.
Como dizer-te o enigma do desperdício num tempo que já não era
De palavras?
Ao pequeno-almoço não te saiam as mãos dos bolsos senão
Para afagares o gato e eu escolhia uma música da Gal,
Daquelas alegres e mexidas,
Porque este era um dia triste, imenso,interminável.
Não que pudesses dizer algo que repetir os erros meteorológicos
Da telefonia, mas eu querendo sempre mais, exigindo
Palavras de jogos maiores, que lentamente sufocavam
Aquilo que não me dirias estar sentindo.
Era como uma estação onde encontrasses um pequeno buraco
Junto à sola dos botins, um pé erradamente escorregado
Em água ainda calçado em meia, um grito que percebera
Abafado na almofada no instante em que desperto de tudo isto.
Lentamente algo perde sabor na boca por ser tantas vezes mastigado.
Esta renda tecida de mãos fiando cansadas como uma dia
Que passaras à janela e no fim das horas, em chegando a noite,
Me perguntaras- "Porquê?", e eu ficara calado.
Como dizer-te o enigma do desperdício num tempo que já não era
De palavras?
Ao pequeno-almoço não te saiam as mãos dos bolsos senão
Para afagares o gato e eu escolhia uma música da Gal,
Daquelas alegres e mexidas,
Porque este era um dia triste, imenso,interminável.
Não que pudesses dizer algo que repetir os erros meteorológicos
Da telefonia, mas eu querendo sempre mais, exigindo
Palavras de jogos maiores, que lentamente sufocavam
Aquilo que não me dirias estar sentindo.
Era como uma estação onde encontrasses um pequeno buraco
Junto à sola dos botins, um pé erradamente escorregado
Em água ainda calçado em meia, um grito que percebera
Abafado na almofada no instante em que desperto de tudo isto.
sábado, fevereiro 15, 2014
Poema do dia de ontem
pour lui, encore
Não me interessam que olhos pousaram antes sobre ti, ou que lábios disseram amorosamente o teu nome.
Não me importam as árvores debaixo das quais te sentaste de mãos dadas,
Nem as horas que perdeste pensando em outrém.
Não te quero com anos, nem com estórias acontecidas.
Ambiciono estar nos teus sonhos e que ocasionalmente me dediques um pensamento.
Espero o teu cheiro e poder tocar os teus cabelos .
Quero que me chegues sem ontens. E que faças meus todos os dias que se seguirem.
Não me interessam que olhos pousaram antes sobre ti, ou que lábios disseram amorosamente o teu nome.
Não me importam as árvores debaixo das quais te sentaste de mãos dadas,
Nem as horas que perdeste pensando em outrém.
Não te quero com anos, nem com estórias acontecidas.
Ambiciono estar nos teus sonhos e que ocasionalmente me dediques um pensamento.
Espero o teu cheiro e poder tocar os teus cabelos .
Quero que me chegues sem ontens. E que faças meus todos os dias que se seguirem.
quinta-feira, janeiro 23, 2014
Pateo II
De ti, um gesto breve no pateo branco. Não esperes
Mais que te espere sob a lua.
Rua direita da cidade. Espaço conciso.
Amei em ti todas as coisas que me deste.
Mais que te espere sob a lua.
Rua direita da cidade. Espaço conciso.
Amei em ti todas as coisas que me deste.
Pateo I
De ti, um breve gesto sobre o pateo, numa noite
Em que os deuses souberam dizer o teu nome sob a lua.
Rua direita da cidade branca. Janela do quarto.
Palavra.
Amei em ti todas as coisas possíveis.
Em que os deuses souberam dizer o teu nome sob a lua.
Rua direita da cidade branca. Janela do quarto.
Palavra.
Amei em ti todas as coisas possíveis.
sexta-feira, dezembro 20, 2013
Porque não podia ser para ele
pour lui
Isto que é maior que tudo: sem dias de chuva, sem livros nos bancos de jardim.
Demorarás muito tempo a voltar a casa e em verdade não mais poderás
Dizer que ali é a tua casa.
Há estas palavras que te guardo para os dias de ausência, para o não saber das coisas.
Mas aos domingos ainda haverá missa, mesmo que não estejas em nenhum banco.
Há um não-lugar onde te busco no seguimento das horas,
Aquele álbum antigo de fotografias, como uma manhã
Em que chegaste atrasado pelo sono e eu ralhei, mas depois achei graça.
A cidade é esta tua ausência porque estás
Longe das longas viagens suburbanas dos autocarros. Os jardins não te vêem
E não hei-de esperar num deles para te entregar um filme de Visconti.
Pudéramos ser personagens numa estória que termine com as palavras de sempre.
A vida não é feita de estórias, mas de ausências. É um não-estar
Mais do que um não-haver.
Porque existes nas estações, na música, sempre nas palavras. Por isso eu sei.
Por isso estou aqui.
Isto que é maior que tudo: sem dias de chuva, sem livros nos bancos de jardim.
Demorarás muito tempo a voltar a casa e em verdade não mais poderás
Dizer que ali é a tua casa.
Há estas palavras que te guardo para os dias de ausência, para o não saber das coisas.
Mas aos domingos ainda haverá missa, mesmo que não estejas em nenhum banco.
Há um não-lugar onde te busco no seguimento das horas,
Aquele álbum antigo de fotografias, como uma manhã
Em que chegaste atrasado pelo sono e eu ralhei, mas depois achei graça.
A cidade é esta tua ausência porque estás
Longe das longas viagens suburbanas dos autocarros. Os jardins não te vêem
E não hei-de esperar num deles para te entregar um filme de Visconti.
Pudéramos ser personagens numa estória que termine com as palavras de sempre.
A vida não é feita de estórias, mas de ausências. É um não-estar
Mais do que um não-haver.
Porque existes nas estações, na música, sempre nas palavras. Por isso eu sei.
Por isso estou aqui.
domingo, dezembro 01, 2013
Ana
para A.G.
Como podendo estar parados num teatro dirias
uma coisa, depois outra.
Uma manhã em Lisboa em que Ana
Tivesse camélias na janela, como antes o fizera Dumas,
enquanro admitia um choro ou uma hipótese de ser
Mais do que uma personagem dizendo uma coisa,
depois outra coisa.
Pequeno-almoço na Confeitaria Nacional, pequena degustação dos jesuítas.
Abordas uma nota do trágico. Expulsões.
Lisboa interdita para sempre, isso sim era dramático.
Escondes-te por esta rua donde se
não veem camélias à janela. Um livro que diga a
cidade, que a explique como um pai explicando a um filho, que
não pudera ver, mas sente
no chão o tremor quando eles passam.
Chegas agora ao Tejo, paras como num teatro.
o palácio do rei de Portugal cheira a cravinho
E canela. Mas aqui
Nada cheira assim, foi acolá que mataram el-rey.
Deixei que crescessem camélias à minha
Janela não porque lesse um livro, mas porque era
Um tempo em que Ana amava um
Homem chamado Lisboa.
Como podendo estar parados num teatro dirias
uma coisa, depois outra.
Uma manhã em Lisboa em que Ana
Tivesse camélias na janela, como antes o fizera Dumas,
enquanro admitia um choro ou uma hipótese de ser
Mais do que uma personagem dizendo uma coisa,
depois outra coisa.
Pequeno-almoço na Confeitaria Nacional, pequena degustação dos jesuítas.
Abordas uma nota do trágico. Expulsões.
Lisboa interdita para sempre, isso sim era dramático.
Escondes-te por esta rua donde se
não veem camélias à janela. Um livro que diga a
cidade, que a explique como um pai explicando a um filho, que
não pudera ver, mas sente
no chão o tremor quando eles passam.
Chegas agora ao Tejo, paras como num teatro.
o palácio do rei de Portugal cheira a cravinho
E canela. Mas aqui
Nada cheira assim, foi acolá que mataram el-rey.
Deixei que crescessem camélias à minha
Janela não porque lesse um livro, mas porque era
Um tempo em que Ana amava um
Homem chamado Lisboa.
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